SÃO PAULO Mais de 250 mil pessoas ocuparam a avenida Paulista, do Masp à Fiesp, para protestar contra a redução de 30% nos recursos para a educação. No início da noite, saíram em passeata até a Assembleia Legislativa (Crédito:Mais de 250 mil pessoas ocuparam a avenida Paulista, do Masp à Fiesp, para protestar contra a redução de 30% nos recursos para a educação. No início da noite, saíram em passeata até a Assembleia Legislativa)

O governo teve na semana passada a dimensão da força social, política e numérica da moçada que o seu ministro da Educação, Abraham Weintraub, chamou de turma da “balbúrdia” – estudantes e professores universitários, primeiramente da Bahia, do Rio de Janeiro e de São Paulo, depois estendendo a qualificação mau educada, descabida e altamente ofensiva a todas as faculdades do País. Pois é, presidente Bolsonaro e ministro Weintraub, é notório que os senhores querem de toda forma transformar os órgãos de ensino em instituições de doutrinação ideológica, fazer delas o elogio do atraso e do reacionarismo de direita. Quem arrisca pagar para ver acaba vendo, e os senhores viram que os adeptos da “balbúrdia” lotaram ruas e avenidas de mais de duzentas e cinquenta cidades brasileiras, juntaram nelas milhões de pessoas entre estudantes, professores e pais, e tudo se deu pacificamente conforme requer a urbanidade e a cidadania – foi, de fato, a “balbúrdia” mais pacífica da história republicana brasileira, talvez só comparável ao momento em que os alunos do tradicionalíssimo Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, foram às ruas em 1956, na gestão de Juscelino Kubitschek, para apoiar a greve dos condutores de bonde e instalaram mesas de pingue-pongue sobre os trilhos – eles passavam o tempo todo jogando tranquilamente. Podemos também lembrar a calma e o pacifismo dos caras pintadas, que ajudaram a apear do poder o então presidente e hoje senador Fernando Collor, acusado à época de corrupção.

A praça é do povo

Bolsonaro e Weintraub, há outro ponto que merece destaque: a juventude e seus mestres seguiram o princípio de que a praça é do povo porque eles têm o mínimo de bom senso para se mostrarem completamente contrários, e com razão, ao corte de verbas na área do ensino, tesourada no dinheiro público hipocritamente chamada pelos senhores de contingenciamento. E, repita-se, tudo de forma ordeira, porque um tumulto aqui, outro ali, são fatos isolados, comuns em quaisquer aglomerações de gente – não acontece isso até com torcedores de futebol, presidente? Finalmente, podemos concluir que as manifestações que tomaram o dia e a noite da quarta-feira 15 traduzem a crença que os jovens ainda depositam no Brasil e, mais que isso, a vontade que possuem de estudar e de se apossarem de um universo cultural – talvez, quem sabe (não é ministro Weintraub?!), para nunca julgarem que um dos principais escritores da humanidade, o alemão Franz Kafka, chamava-se Franz Kafta, nome de uma iguaria árabe.

O governo não quer, é óbvio, que a rapaziada estude em faculdades com bons recursos (o que faz tempo que o País não possui), até porque isso leva a pensar – e quem pensa jamais apoiará atos como o tal “contigenciamento” e outros desmandos inconstitucionais e autoritários (que caminham para o patamar mais elevado do totalitarismo, na teoria política). “Bendito aquele que semeia/ livros, livros a mão cheia/ e faz o povo pensar/ o livro caindo na alma/ é germe que faz a palma/ é gota que faz o mar”, escreveu o poeta Castro Alves, justamente o que também ocupava as ruas com universitários baianos defendendo o ensino. Mas, se formarmos uma geração pensante, adeus bolsonarismo e sua ideologia que teima em apavorar o Brasil. “Ele, o presidente da República, Jair Bolsonaro, e também o ministro da Educação, Abraham Weintraub, só chegaram onde chegaram devido à ignorância e a falta de cultura no País”, muito bem disse Hugo Monteiro, professor titular de Bioquímica e Biologia Molecular da Unifesp. “Tudo o que consegui até aqui foi graças à educação pública. É um absurdo o que está acontecendo”, declarou Erika Vanoni, estudante de Design da USP. “A participação na manifestação é importante para a consciência política de milha filha”, afirmou Ana Gláucia Turco, que engrossou os protestos acompanhando a sua filha Luana, de onze anos. Como se vê, eis uma excelente e emblemática amostra, em três falas, do que foi o recente mar de gente contra a lipoaspiração feita nas verbas da Educação.

Jair Bolsonaro previra um “tsunami” para a semana passada, e o nosso presidente, que se julga enfronhado na previsão da meteorologia política, acertou: o tal vendaval veio contra a sua gestão e o arremedo de ministro que é Weintraub. O que se viu foi a união de todos pela Educação, o que se viu foi a estabilidade do governo ser profundamente desgastada, o que se viu foi a tal estabilidade balançar. Veio o “tsunami” da Educação, e ele vai continuar, precisa continuar, deve continuar: até porque, chamar os manifestantes de “imbecis” e de “idiotas”, chamar quem lotou as cidades de “massa de manobra”, como o fez Jair Bolsonaro nos EUA, é coisa de ditador, não de democrata – são palavras que ofendem toda uma Nação.

A continuação do movimento, cada vez mais, tenderá a aumentar. Com estudante na rua não se brinca, e atualmente o Planalto não mais é senhorio da possibilidade de recorrer à arbitrariedade e à exceção como vimos ao longo da ditadura militar. Tente-se jogar a cavalaria contra um único estudante hoje! É fazer isso e ser tocado imediatamente do Palácio. Se antes tínhamos que São Paulo e Rio de Janeiro capitaneavam os movimentos estudantis, dessa vez o crescimento ocorrerá, pelo que se viu na semana passada, proporcionalmente em todos os estados – ou seja, os 30% que o Ministério “Kaftiano” cortou deu azo à grande indigestão cultural em todo o território estudantil nacional. Somente em São Paulo mais de cinquenta cidades se mobilizaram, número similar se contabilizou no Rio de Janeiro. A região nordeste foi um espetáculo à parte tal a sua paralisação em faculdades e escolas. Nas demais regiões do País, o “tsumani” foi relativamente menos forte, mas, se pensarmos em pontuar o mapa do Brasil em todos os locais em que se deram protestos, o mapa inteiro ficará bem colorido. Claro que organizações sindicais (as oportunistas de sempre) e partidos políticos de oposição (hoje anêmicos) pegaram carona, mas isso não invalida e nem desclassifica em nada a onda de protestos. O governo vai usar esse discurso requentado e pronto, e nem vale a pena perder tempo comentando isso, deixemos essa bobagem para lá.

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Importante, isso sim, é registrar que na mesma quarta-feira o ministro Weintraub esteve em audiência na Câmara dos Deputados, obedecendo (é dever, não favor) a convocação para explicar as razões que o levaram a promover o bloqueio de verbas em universidades – a sua intimação foi aprovada por trezentos e sete deputados, e também esse fato balança a estabilidade do governo. O começo de seu depoimento foi de chorar (se quiser, vale rir) com a presença do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que claramente se portou como quem esteve na Casa para dar uma força a Weintraub – embora, atualmente, seja do conhecimento geral que a força que ele tem se mostre tão firme como um prego enfiado na areia. O irmão de Abraham Weintraub, Arthur, correu a emprestar presencialmente solidariedade consanguínea. E, graça da graça, foi o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, ativo, atuante e aplaudindo freneticamente tudo que o ministro falava.

Os 30% que o Ministério da Educação “Kaftiano” cortou deu azo à grande indigestão cultural em todo o universo estudantil brasileiro

Foram seis horas de sabatina e arguição, nas quais Weintraub mostrou vontade de partir para o confronto logo nas primeiras rodadas de perguntas, num claro desrespeito ao Poder Legislativo, poder constituído por mandatos populares, enquanto o seu cargo é tão somente oriundo de nomeação e opção ideológica. Ele irritou-se quando lembraram que o seu rendimento escolar fora sempre medíocre (média de notas no patamar de 2,5), fato que, naturalmente, não o qualifica a ocupar o cargo que ocupa. Pode-se argumentar que Albert Einstein foi aluno péssimo e tornou-se um gênio, mas, convenhamos, nosso ministro está a léguas de distância de criar uma Teoria da Relatividade. Ele é absoluto! Isso sim, absoluto em todas as tolas e agressivas provocações que faz: “Fui bancário. Carteira assinada. Viu, azulzinha, não sei se vocês conhecem”, disparou Weintraub contra parlamentares. Não pegou nada bem. E a coisa piorou quando ele se gabou: “Não tenho passagem pela polícia” – isso, ministro, é obrigação de qualquer cidadão de bem, não é mérito algum. Falando em polícia, bem que Bolsonaro e Weintraub, que acham que até as suas sombras são esquerdistas, poderiam ler o antropólogo Darcy Ribeiro (não é difícil, ele escrevia claro). A tese de Darcy era a de que se não investíssemos na Educação, um dia faltaria dinheiro no País para construir cadeias, faltariam empregos e teríamos uma sociedade inculta. Pois bem, a turma da “balbúrdia” não quer ser bandida, não quer ficar desempregada e não quer ser burra.

Palavras erradas

As frases ofensivas e estapafúrdias que Jair Bolsonaro e Abraham Weintraub disseram nos últimos dias

Jair Bolsonaro

Marcos Corrêa/PR

“São uns idiotas úteis e imbecis que estão sendo usados como massa de manobra de uma minoria espertalhona que compõe o núcleo de muitas universidades federais”

“A maioria ali é militante, não tem nada na cabeça”

“Se perguntar quanto é sete vezes oito, não sabe”

“Se você perguntar a fórmula da água, não sabe, não sabe nada”

“O que foi feito no Brasil ontem: uma passeata ‘Lula Livre’, um bandido que está preso, condenado, cumprindo pena. Só vi faixa de ‘Lula livre’, mais nada”


Abraham Weintraub

Dida Sampaio

“Universidades que, em vez de procurar melhorar o desempenho acadêmico, estiverem fazendo balbúrdia, terão verbas reduzidas”

“Eu sofri um processo inquisitorial. Que eu saiba só a Gestapo fazia isso. Ou no livro do Kafta (sic) ou a Gestapo”, afirmou, trocando o nome do escritor Franz Kafka

“A gente está pedindo, simplesmente, três chocolatinhos e meio desses cem chocolates”, disse para explicar o contingenciamento de verbas para a Educação

“Fui bancário. Carteira assinada. Viu, azulzinha, não sei se vocês conhecem”, afirmou na Câmara dos Deputados,
quarta-feira 15. Um coro se formou com deputados gritando “demissão”

O ministro tuitou: “há uma série de fake news envolvendo meu nome, algumas calúnias nas quais eu insitaria (sic) a violência”. O certo é incitaria

Os três maiores protestos estudantis no Brasil

De 1968 até hoje, movimentos começaram espontâneos e apartidários

 

Colaborou Vicente Vilardaga

 


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