Um filme de espionagem talvez não tivesse um roteiro tão complexo quanto o episódio do envenenamento do ex-espião russo Sergei Skripal no Reino Unido e o que se seguiu a ele. Sendo o governo russo o principal suspeito pelo ordenamento do crime que aconteceu no começo de março, a Inglaterra, na figura da primeira-ministra Theresa May, ordenou a expulsão de 23 diplomatas do país – movimento que na semana passada ganhou a adesão de mais 23 nações e resultou na tomada de medidas extremas contra o governo do presidente Vladimir Putin, recém-eleito para o quarto mandato. Na segunda-feira 26, Donald Trump anunciou que mandaria 60 russos embora dos Estados Unidos. Na lista de expulsões estão diplomatas e outros funcionários do governo. Trump também ordenou o fechamento do consulado russo na cidade de Seattle. Somadas as medidas de todas as nações que aderiram à represália, 120 russos foram expulsos dos países em que trabalhavam. Reino Unido e Islândia cancelaram o envio de autoridades diplomáticas para a Copa do Mundo na Rússia, que começa em 14 de junho, e já se discute a possibilidade de as próprias seleções europeias não participarem do Mundial.

A união dos países contra a Rússia não tem relação somente com a tentativa de assassinato de Skripal, um ex-agente russo condenado por traição que conseguiu abrigo na Inglaterra, onde foi envenenado. Trata-se de algo maior que apenas solidariedade ao governo britânico. É uma reação global a uma série de atitudes do governo Putin que desagradam e ameaçam diversos líderes mundiais. “Estamos falando da Rússia que muda as fronteiras da Europa pela força, abate aviões e está preparada para envenenar centenas de pessoas para manter sua posição”, afirma à ISTOÉ o professor Anthony Glees diretor do Centro de Estudos em Segurança e Inteligência da Universidade de Buckingham, no Reino Unido. “A expulsão dos diplomatas é um grande golpe contra Putin e seu comportamento imprudente e aparentemente criminoso.” Glees ainda salienta que a estratégia de Putin sempre foi dividir o Ocidente, interferindo nas eleições americanas, francesas, alemãs, o que de certa maneira funcionou. “Mas, agora, esses vários países consideraram seu regime uma ameaça maior do que as diferenças que os dividiam.”

Jogo de espiões

Entre os mais de 120 russos que devem voltar para o país de origem, há vários que os próprios governos acreditam ter alguma ligação com espionagem. No caso do Canadá, por exemplo, os quatro agentes enxotados trabalharam como espiões da Rússia e são acusados de interferir em assuntos nacionais. Essas pessoas, segundo Glees, da Universidade de Buckingham, trabalham de fato como espiões, sob a cobertura legal nas embaixadas russas, exatamente como faziam durante a Guerra Fria. “Eles se sentam ao lado de diplomatas. Os oficiais são principalmente de inteligência política ou militar e administram agentes nos países em que residem para descobrir segredos dos governos”, diz. “Por isso, o envio desses oficiais para casa é um golpe para a Rússia, nenhum país fará trocas de agentes com eles de novo”, conclui, fazendo referência ao jogo diplomático entre nações que recebem e enviam funcionários de inteligência dos governos para colherem informações uns sobre os outros. Com o envenenamento de Skripal, lembra Glee, a estimativa é de que 500 moradores da cidade de Salisbury, onde o atentado aconteceu, tenham ficado vulneráveis à substância tóxica que o contaminou. Receber agentes russos se tornou uma ameaça.

“A expulsão dos diplomatas é um grande golpe contra Putin e seu comportamento imprudente e aparentemente criminoso”
Anthony Glees, diretor do Centro de Estudos em Segurança e Inteligência da Universidade de Buckingham

A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), uma entidade militar supranacional, seguiu a postura dos EUA e da União Europeia e também anunciou a expulsão de sete diplomatas. O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, considerou nefasta a ofensiva coletiva contra o país e culpou os EUA por usarem de chantagem e por coagirem os aliados europeus. “Nós responderemos”, afirmou Lavrov. Às vésperas da Copa do Mundo, o caso vai reverberar também durante o principal evento esportivo do mundo. Líderes cancelaram a participação nos jogos, entre eles a família real britânica.

A primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, deixou para as autoridades esportivas decidirem se participarão ou não do Mundial. Ela, agora, sai na frente na guerra de braço contra os russos: com o apoio interno, dos EUA e da União Europeia, está mostrando a Putin quem tem mais força. E mandou um recado: “a solidariedade dos países enviou o sinal mais forte ao Kremlin, de que a Rússia não pode continuar desrespeitando a lei internacional e ameaçando nossa segurança”.