Tocanna e Xania Monet: entenda a problemática de artistas produzidos por IA

Especialista em direito autoral explica como essas produções podem afetar pessoas reais

Reprodução/Instagram
Tocanna e Xania Monet, "cantoras" produzidas por IA Foto: Reprodução/Instagram

Nas últimas semanas, usuários de redes sociais como TikTok e X (antigo Twitter) compartilharam por diversas vezes a música “São Paulo”, da cantora, criada por inteligência artificial, Tocanna.

+ Conheça o Studio Ghibli, produtora detentora do estilo de animação reproduzida por IA

A canção, considerada uma paródia do hit “Empire State of Mind”, de Jay-Z e Alicia Keys, logo conquistou diversos internautas, que se divertem com a letra explícita. O rapper estadunidense, no entanto, não ficou nada satisfeito com a brincadeira e pediu que ela fosse removida das plataformas musicais.

À IstoÉ Gente, Gustavo Sali, criador da Tocanna, afirma que a atitude do artista americano não o incomodou e que pretende “transformar isso em piada e usar a situação pra gerar engajamento”.

O designer gráfico de 25 anos ainda conta que não tem medo de ser processado por direitos autorais: “Tudo que faço se encaixa dentro do conceito de paródia e tem versões de músicas com milhões de plays por aí e ninguém foi processado, então não acho que seja um risco real.”

Apesar disso, ele reconhece que a criação pode se enquadrar em questões como o uso de dados de pessoas reais, que envolve análise de letras de músicas e até a forma de cantar.

“A paródias são feitas com ajuda de uma IA, as letras não. O problema é que muita gente tenta cancelar quem está criando com inteligência artificial, quando na real, o alvo deveria, ser as grandes empresas que fazem isso e não explicam nada.”

“No meu caso eu canto com a minha voz masculina e ela vira uma voz feminina. Pode parecer com a de alguma cantora? Pode. O instrumental pode lembrar outra música? Também. É a natureza da ferramenta, ainda mais no caso de paródia. Prefiro dizer que supostamente pode haver esse uso de dados, não dá pra afirmar com certeza.”

+ Criador de Tocanna, IA que incomodou Jay-Z, foca agora em música sobre o Rio: ‘É uma sátira’

Mas afinal, isso afeta artistas reais? 

Yasmin Arrighi, advogada especialista em Direito Autoral, explica que produções como “São Paulo” podem, sim, ser enquadradas em casos de utilização de criações de pessoas reais disponíveis na web.

“Os sistemas de IA são treinados a partir de bancos de dados que contêm obras protegidas por direitos autorais, coletadas indiscriminadamente na internet. A identificação desse uso é difícil, porque os algoritmos “absorvem” estilos, estruturas musicais e até trechos de melodias, recombinando-os em novas produções.”

“Isso pode configurar violação de direitos autorais (LDA, arts. 7º e 29) caso haja utilização de obras pré-existentes sem autorização. No entanto, os limites legais atuais são insuficientes para lidar com a complexidade do tema.”

Ela detalha que o Brasil ainda não possui um marco regulatório específico para inteligência artificial. Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados o PL 2338/2023, que busca regulamentar o uso da IA no país.

“Mesmo que o público esteja cada vez mais habituado a consumir esses conteúdos, a discussão sobre autoria e proteção legal continua sendo indispensável para equilibrar inovação tecnológica e preservação do valor da criação humana.”

A especialista ainda faz um alerta sobre o caso da cantora criada por Inteligência Artificial, Xania Monet. Recentemente, ela e sua criadora, a compositora Telisha Jones, assinaram um contrato de R$ 16 milhões com a Hallwood Media, empresa de sucesso que representa artistas como Murda Beatz e Sounwave.

“Isso evidencia a mercantilização da IA como ativo estratégico. O próximo passo desse fenômeno é a institucionalização da presença de artistas virtuais disputando espaço de mercado com artistas reais.”

O cantor Douglas Medeiros, que lançou seu primeiro álbum “Não Pare de Adorar” em 2020, aproveita para reforçar que “uma canção criada por Inteligência Artificial é algo frio”.

“As pessoas já estão mecanizadas demais e não precisam de artistas artificiais para se afastar ainda mais do que é humano e natural. O perigo está em perdermos o encanto pelo que é verdadeiro e nos deixarmos fascinar apenas pelo que é artificial.”

“Quando se trata de arranjos ou aspectos técnicos, não vejo problema em usar IA. Ela pode ajudar na produção e na finalização dos projetos considero inaceitável é tentar fazer com que a IA ‘simule’ uma emoção que ela não tem. A música é expressão de vida, e isso uma máquina jamais poderá sentir.”

*Estagiária sob supervisão

Referências Bibliográficas

* Yasmin Arrighi é advogada inscrita na OAB/RJ, formada em Direito pelo Ibmec/RJ e em Filosofia pela UERJ.

* Douglas José Cezari Medeiros é cantor e missionário católico que iniciou sua caminhada musical aos 12 anos, na Igreja Católica de Tanabi.