O Brasil já teve presidentes da República que transformaram seus gostos e obsessões pessoais em pauta de governo. Jair Bolsonaro integra esse time. Para ficarmos nas duas pontas da linha da história e vermos como elas se atam, tomemos um fato justamente do início de nossa vida republicana. Voltemos a 1890 e, depois, saltaremos para o republicanismo da atualidade (se o leitor ou leitora pensarem que escrevi republicanismo pensando nas expressões república e populismo, acertou). Decretada em 1889 (sim, foi por decreto porque proclamação não houve, foi república nascida sem povo), o governo provisório do marechal Deodoro da Fonseca lançou um concurso para a escolha de um novo Hino Nacional. Os vencedores foram os compositores Medeiros de Albuquerque e Leopodo Miguez. Deodoro, no entanto, adorava o hino já existente, que é o mesmo que se tem até hoje. O marechal não teve a menor cerimônia: cancelou o concurso, deixou tudo como estava e fez da composição eleita o Hino da República.

Esse foi o marechal. Agora, eis o capitão. Ao longo de sua campanha eleitoral, Bolsonaro prometeu facilitar a posse e o porte de armas de fogo no Brasil. Recentemente ele cumpriu a promessa de palanque e armou dezenove categorias profissionais. É natural que a primeira coisa que nos venha à cabeça seja a contrapartida para as chamadas “bancada da bala” e “bancada ruralista”, que tanto o ajudaram a se eleger. Nem tudo, porém, é estratégia política do presidente. Se assim fosse, jogo jogado. Bolsonaro liberou as armas porque diuturnamente ele respira armas. É gosto, é paixão, é obsessão. Atirar, atirar, atirar… ele não pensa em nada além disso. É TOC.

Se Bolsonaro tivesse resolvido a questão do desemprego com o mesmo afã dedicado aos armamentos, o País estaria aliviado. Querem ver o salto que nós demos: no ano passado, cerca de trinta e sete mil brasileiros possuíam porte de armas. Com o decreto do presidente, esse número voará para a casa dos vinte milhões de cidadãos. É sabido que a obsessão cega o raciocínio, e o presidente deu prova disso: ao facilitar o porte para “residentes em área rual”, ele armou e municiou um movimento que historicamente se alinha ao PT e lhe faz direta oposição: o MST. Vê-se, assim, que o marechal de outrora e o capitão do presente têm algo em comum: gosto pessoal dita decretos. Entre um e outro governante, lá se vai o interregno de cento e vinte e nove anos. Mas o patrimonialismo segue o mesmo. Aliás, o patrimonialismo é o TOC.

Entre o marechal e o capitão, lá se vai o interregno de 129 anos. Mas o patrimonialismo continua o mesmo


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