O cenário eleitoral ainda é incerto – até porque Donald Trump já acionou a Justiça em Michigan para interferir na apuração dos votos, e deve fazer isso em outros estados. Mas, depois de parecer causa perdida, no fim da noite de ontem, a candidatura do democrata Joe Biden voltou a ter chances. Se isso acontecer, certamente haverá impacto para o Brasil. Mas um tanto diferente do que se imagina.

Todo mundo já sabe que Biden quer ver mudanças na política brasileira para o meio ambiente. E se alguém acha que Bolsonaro vai bater no peito e chamar Tio Sam para a briga, prepare-se para o contrário. Já se fala abertamente em Brasília na degola do ministro do Meio Ambiete Ricardo Salles. Salles pode até permanecer no governo, para que não pareça uma rendição completa ao novo inquilino da Casa Branca, mas sem poder para tocar a boiada.

Resistir nessa questão seria arriscadíssimo para o governo Bolsonaro. Poria em risco duas de suas metas estratégicas na política externa: manter o apoio dos Estados Unidos para que o Brasil ingresse na OCDE e ampliar o acordo comercial fechado no mês passado com os americanos, na direção de um verdadeiro tratado de livre comércio.

Haveria ainda o risco de os Estados Unidos, que são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, depois apenas da China, penalizarem produtos brasileiros com taxas de importação. Lembremos que mesmo Trump, mui amigo de Bolsonaro, manteve barreiras históricas para commodities e não hesitou em aumentar impostos em alguns casos, como o do alumínio,  quando quis agradar o seu público interno. Não faltam a Biden ferramentas de tortura.

E o anti-chanceler Ernesto Araújo, corre o mesmo risco de perder o cargo? Não há por que imaginar que seja o caso. Ele tem sido o condutor da política pró-América do governo brasileiro. Não pesa sobre ele o mesmo estigma que sobre Salles.

Isso significa que o Itamaraty deve continuar na mesma toada, mesmo se Biden vencer. Nosso anti-chanceler, que gostaria de ser um intelectual do porte de José Guilherme Merquior, mas é apenas Ernesto Araújo, poderá prosseguir na sua cantilena “antiglobalista”, recheada de citações filosofantes. E o Brasil poderá continuar se aliando aos países mais retrógrados, como tem feito, quando se trata de votar resoluções sobre costumes em fóruns internacionais.

Ernesto Araújo já disse que prefere ver o Brasil transformado em um pária internacional em vez de abandonar ideias que nos põem ao lado do Sudão, e não dos Estados Unidos, quando se trata de discutir, por exemplo, direitos das mulheres. Ninguém espere que Biden – ou Trump – mova um dedo sequer para nos tirar desse caminho glorioso.