Recentemente arqueólogos egípcios fizeram uma descoberta que gerou repercussão mundial: 59 sarcófagos de madeira. Bem conservadas, as tumbas foram recuperadas na necrópole de Saqqara. Especialistas datam os materiais em mais de 2,6 mil anos, o que os situa no período chamado de Época Baixa (664 a 332 a.C.), nos tempos em que o país foi controlado pela 26ª dinastia de faraós. A região fica localizada ao sul da cidade do Cairo, capital do país e desafiou escavadores. Para desenterrar os tesouros, as equipes entraram em tumbas verticais com mais de 12 metros de profundidade. Entre os itens recuperados ainda estão 28 estátuas de Ptah Sokar, antigo Deus egípcio, considerado uma importante divindade funerária, e um conjunto de hieróglifos que ajudam na identificação das múmias, no caso, sacerdotes de alto escalão na sociedade da época.

“A descoberta é interessante porque foi feita por egípcios. Com os sarcófagos bem preservados é possível fazer grandes estudos”– José Roberto Pelline, Arqueólogo da UFMG (Crédito:Divulgação)

Para o arqueólogo José Roberto Pelline, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do projeto arqueológico brasileiro no Egito, a conquista merece destaque, pois é estritamente nacional. Por anos, o Egito foi desbravado por equipes estrangeiras, sobretudo da França e do Reino Unido. Porém, nas últimas décadas o governo egípcio aumentou o incentivo da produção científica nacional, fator preponderante para a maior descoberta dos últimos meses. “Para mim, o ponto alto da descoberta é que ela é liderada por cientistas do Egito. Pouco a pouco a arqueologia egípcia está se descolando dos estrangeiros”, diz. “Além disso, o governo investiu em publicidade para exaltar as descobertas, que são importantes, claro, mas que também mantém o interesse dos turistas no País. Eles faturam alto com o turismo”, aponta o professor.

Dados recentes do Ministério do Turismo do Egito estimam que ano passado mais de 13 milhões de visitantes passaram pelo País, números que impactam diretamente no Produto Interno Bruto (PIB), em cerca de 12%. A divulgação do achado para jornalistas do mundo todo está relacionada à reabertura controlada do turismo, feita há cerca de três semanas. O governo quer reaquecer a economia depois das baixas causadas pela Covid-19. A projeção para 2020 era de aproximadamente 15 milhões de turistas. Segundo Antonio Brancaglion, professor de arqueologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), tudo que cerca o Egito no que diz respeito ao passado é repleto de mística, desde a concepção das pirâmides até a vida de soberanos, como Cleópatra. Porém, mesmo com todos os olhares para o País há séculos, pouco se sabe sobre suas riquezas.

“Temos pouco mais de 200 anos de ciência e descobertas arqueológicas. Enquanto isso, há mais de dois mil anos de mistérios para estudarmos”, conta. “Saqqara (cidade da nova descoberta) marcou o início da arqueologia cientifica no século 19, foi onde criaram a primeira pirâmide do Egito, portanto, simboliza muito para a ciência”, completa.
É pensando nesse simbolismo que o ministro do Turismo, Khalid el-Anany, reforça a importância de continuar escavando a necrópole. “Considero esse o começo de uma grande descoberta”, conta. As equipes são supervisionadas por Mustafa Waziri, secretário-geral do Conselho Supremo de Antiguidades do País e já descobriram que os 59 sarcófagos foram enterrados nos últimos anos antes da conquista persa.

MISTÉRIO O governo egípcio organiza novas expedições: busca por artefatos raros (Crédito:Mohamed Abd El Ghany/REUTERS)

Com os adventos tecnológicos, os especialistas conseguem estudar as tumbas sem a necessidade de abri-las, fato que conserva ainda mais o seu valor. “As tumbas estão lacradas, o que possibilita as analises menos invasivas, como raio-x, leitura 3D, enfim, muitos recursos”, afirma o professor Jose Roberto Pelline. A datação de carbono, por exemplo, é um recurso utilizado por cientistas principalmente nas análises de fósseis animais e até humanos. Através de computadores, é possível saber a idade aproximada do objeto analisado e suas características. E não para por aí. Os especialistas ainda conseguem ‘recriar’ as feições das múmias, algo impossível décadas atrás e é por isso que materiais históricos, como a tumba desaparecida de Cleópatra, por exemplo, ainda desperta curiosidade. Se encontrada, há chances reais de saberem como ela era.

Riqueza incalculável

Perguntados pela revista IstoÉ sobre o motivo de ‘tanta’ obsessão pelo Egito, os professores Antonio Brancaglion e Jose Roberto Pelline praticamente responderam a mesma coisa: O Egito faz parte da cultura pop ocidental. Assim como obras de arte como a Mona Lisa, de Leonardo Da Vinci, falar sobre os mistérios do País rende audiência instantânea, haja vista a quantidade de jornalistas no evento de divulgação dos 59 sarcófagos. A falta de respostas para tantas perguntas causa certa insatisfação, o que consequentemente gera mais interesse por novas descobertas.

Há mais de 6 mil anos de história para serem desbravados,
visto que a arqueologia científica é uma área recente na ciência

A lista de incertezas é vasta: onde estão os sarcófagos das rainhas Nefertiti e Cleópatra, duas das mulheres mais poderosas da história. Como construíram as pirâmides? Qual é a idade da famosa Esfinge de Gizé? A maldição do rei Tutancâmon é real? E por aí vai. “A arqueologia vive um bom momento. No futuro iremos caminhar ainda mais porque a tecnologia está evoluindo”, diz o professor Antonio Brancaglion. “Nas universidades, por exemplo, o interesse por arqueologia está aumentando todos os anos”. São mais de 6 mil anos de história para serem exploradas. O governo local se mostra animado com a descoberta dos 59 sarcófagos em Saqqara. A meta é estimular a produção cientifica nacional para aumentar as chances de novas descobertas nos próximos anos.