O STJ (Superior Tribunal de Justiça) irá julgar um pedido de habeas corpus realizado pela defesa de um homem negro denunciado pelo MP-AL (Ministério Público de Alagoas) por injúria racial contra um italiano branco. O recurso pede para que a tramitação do processo no TJ-AL (Tribunal de Justiça de Alagoas), que aceitou a acusação em primeira e segunda instâncias, seja impedida.

Em comunicado divulgado em janeiro deste ano, o MP-AL informou que a denúncia foi feita com base na Lei nº 14.532/23, sancionada no ano passado, que configura o crime de injúria racial quando há o objetivo de ofender uma pessoa em razão da cor, raça, etnia, religião ou origem. A legislação também classifica o órgão como responsável pela acusação.

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De acordo com Pedro Gomes, advogado do réu acusado por injúria racial e membro do INEG-AL (Instituto do Negro de Alagoas), foram feitos pedidos de habeas corpus ao TJ-AL que foram negados. Conforme o integrante da defesa, o processo está tramitando normalmente enquanto o recurso é julgado pelo STJ e uma audiência está planejada para ocorrer em setembro.

O pedido de habeas corpus está em análise e o relator do caso é o desembargador Jesuíno Aparecido Rissato, da sexta turma do STJ. Segundo o advogado, o caso deve ser julgado depois do recesso da instituição.

Acusação de injúria racial

Conforme Pedro Gomes, o réu acusado de injúria racial morava em Brasília (DF) e se mudou para Coruripe (AL) – município que fica a cerca de 85 quilômetros de Maceió (AL) – durante a pandemia de Covid-19 para passar pelo período com a família em um local mais seguro. Na cidade, vivia uma tia do sujeito que era casada com o italiano.

Segundo o advogado, o estrangeiro ofereceu parte de um terreno ao réu e a outras pessoas em um “condomínio informal”. De acordo com Pedro Gomes, o italiano também tinha um projeto de audiovisual e contratou o acusado, que trabalha na área, para prestar serviço.

Posteriormente, conforme o integrante da defesa do denunciado, o réu teve de voltar para Brasília por conta do trabalho da esposa. “A partir do momento que ele saiu, o italiano tanto não levou a frente o projeto (audiovisual) e não cumpriu com o programado de conseguir financiamentos para pagar o que já tinha sido trabalhado, quanto também se apossou desses pedaços do terreno que tinham comprado dele”, relata Pedro Gomes.

Neste contexto, explica o advogado, o acusado supostamente trocou mensagens com o italiano dizendo que o sujeito possuía uma cabeça “branca, europeia e escravagista” após ter trabalhado sem receber. Entretanto, a prova apresentada pela denúncia, que teria ocorrido por contato no Whatsapp, foi fotografada por outro celular e não mostra a conversa inteira.

Racismo reverso

Em nota, o MP-AL declarou que o réu se referiu ao italiano de forma pejorativa em relação à sua nacionalidade e, na análise de denúncia de injúria racial, o órgão não pode se ater a cor de pele ou a qualquer outra característica que o acusado possua. “Caso seja comprovado que o réu foi vítima de algum crime praticado pelo italiano, a Promotoria de Justiça de Coruripe solicitará instauração de inquérito policial para devida apuração”, declarou a entidade.

Segundo Renata Furbino, advogada criminalista e professora de Direito Criminal da Faculdade Arnaldo Janssen, em Belo Horizonte (MG), o STJ possui o poder de, a partir da análise do caso, determinar a jurisdição acerca do tema às instâncias mais baixas. “A decisão vai colocar um ponto final nessa discussão de racismo reverso e se a injúria racial pode ser cometida por qualquer pessoa e ter como vítima qualquer pessoa”, explica.

Conforme a advogada criminalista, a própria lei nº 14.532/23 afirma que a injúria racial se aplica apenas a grupos minoritários, o que não é o caso do branco. “Veremos se o STJ vai entender o caso como uma injúria racial ou se é uma situação de injúria prevista no código penal, sem a etiqueta de raça, cor, etnia e procedência nacional”, conclui Renata.

Em nota técnica divulgada pela DPU (Defensoria Pública da União) no dia 26 de junho, a instituição afirma que o MP-AL ignora conceitos estabelecidos no artigo 20-C da lei nº14.532/23, em que é explicitado o dever do juiz que analisa uma injúria racial em “considerar como discriminatória qualquer atitude ou tratamento dado à pessoas ou a grupos minoritários”.

Além disso, a entidade cita uma impossibilidade jurídica na tese de “racismo reverso”, pontuando que uma análise literal pode levar ao entendimento de que qualquer pessoa pode ser vítima do crime de racismo. “No entanto, tal interpretação é afastada de qualquer contextualização histórica e social”, informou o comunicado.

De acordo com Pedro Gomes, a denúncia do MP-AL foi mal elaborada, misturando a lei antiga e a nova no código penal. “Impetrar o habeas corpus no STJ dá nacionalização a essa discussão […] Eu imagino que, com isso, a gente consiga cristalizar e fazer um debate universalizado sobre a impossibilidade jurídica de existirem crimes raciais em função da raça contra grupos socialmente majoritários”, aponta o advogado.

**Estagiário sob supervisão