A descoberta de um plano terrorista em Brasília para tumultuar a posse de Lula, provocar o caos e levar ao Estado de Sítio encerra o governo Bolsonaro com chave de ouro. É como se a saga política do capitão reformado encerrasse um ciclo, muito coerente.

É preciso lembrar que Bolsonaro foi expulso do Exército nos anos 1980 exatamente por planejar atentados terroristas. O argumento dele na época era defender maiores salários para os militares. Na prática, era uma tentativa de arregimentar a caserna para um novo golpe.

Bolsonaro era um dos inconformados com a abertura política. No Exército, os seus ídolos praticaram torturas e tentaram impedir a volta da democracia espalhando o terror nas cidades. Na forma mais patética, queimavam bancas de jornal nas madrugadas. Na mais grave, tentaram explodir uma bomba em um show lotado no Rio de Janeiro, para espalhar o terror e justificar um novo endurecimento do regime.

O atentado do Rio Centro, em 1981, falhou. A bomba explodiu antes da hora no colo de um militar, matando-o na hora. Outro fardado quase morreu e conseguiu escapar. O Exército organizou uma investigação fajuta, uma farsa para encobrir o terrorismo perpetrado pelas próprias forças que se mantinham no poder sob o argumento de manter a ordem. O fiasco acelerou o naufrágio do regime.

Quarenta anos depois, radicais se aglomeram nas portas dos quartéis insuflados por Bolsonaro para exigir que as Forças Armadas executem um novo golpe de Estado. Foi em um desses acampamentos, em frente ao QG do Exército em Brasília, que um obscuro empresário paraense se inspirou para providenciar a ação que deveria paralisar o aeroporto de Brasília, deixar a cidade às escuras, facilitando a execução do putsch.

Para montar seu arsenal, que foi apreendido pela polícia, o criminoso provavelmente se valeu das normas que o presidente baixou para insuflar o armamentismo. A inspiração veio diretamente do discurso do presidente, confessou ele, antes de ser encaminhado para a Papuda. O empresário disse ter gastado R$ 160 mil em armas e R$ 600 em dinamite antes de sair de Xinguara (PA). Reuniu duas escopetas de calibre 12, dois revólveres calibre 357, três pistolas, um fuzil calibre 308, mais de mil balas e cinco bananas de dinamite. Disse que estava “preparado para matar ou morrer”. (No dia 12, dia da diplomação de Lula, é bom lembrar, os apoiadores de Bolsonaro já tinham promovido um quebra-quebra generalizado na capital federal, incendiando ônibus e carros e achacando a população. Ninguém foi preso.)

O golpe de 2022 falhou como o de 1981. Mostrou, infelizmente, que as Forças Armadas ainda são utilizadas para as conspirações. Os acampamentos golpistas que se espalham em frente aos quartéis nesse momento são toleradas pelos generais que deveriam defender a ordem constitucional. Os militares, junto com os representantes da ordem (polícias, ministério público, governadores) têm o dever de desmontar essas “incubadoras de terroristas”, na expressão feliz do próximo ministro da Justiça, Flávio Dino.

Quanto a Bolsonaro, espera-se que seja devidamente processado e julgado pelos seus inúmeros crimes, agora que perdeu o poder. Fomentar o terrorismo doméstico pode ser o último capítulo de sua folha corrida. Para o País, o episódio deveria marcar o enterro definitivo da infâmia bolsonarista: o movimento golpista promovido pelo capitão nunca se conformou com a democracia e ainda ecoa os subterrâneos da ditadura. Que o novo atentado tabajara seja o seu réquiem.