A complexa crise hídrica pela qual o País passa está demonstrada pela condição deplorável de seus principais rios. Na semana passada, por exemplo, o Rio Paraguai, o mais importante da região do Pantanal, atingiu 0,44 metro, em Cáceres, no Mato Grosso, o nível mais baixo já registrado na história. No mesmo período, no ano passado, a marca era de 0,70 metro. A seca também é sentida no Rio Paraná que, em junho, apresentou 8,5 metros abaixo da média dos últimos cinco anos. A estiagem impactou as famosas Cataratas do Iguaçu, no oeste do Paraná. O Rio Iguaçú está com uma vazão de 308 mil litros de água por segundo, um quinto do fluxo considerado normal. É chocante saber que o País, que tem a maior quantidade de água potável do mundo, está ficando sem o tão precioso líquido. “Todos os ecossistemas estão perdendo água: 70% dos municípios tiveram reduções nos últimos 30 anos e a tendência de longo prazo é preocupante”, diz Carlos Souza, coordenador do Grupo de Trabalho de Água do MapBiomas Brasil, que acaba de divulgar os últimos resultados de seus estudos.

“As perspectivas de regeneração não são boas, tendo em vista que a política atual do governo é de destruição e não de preservação” Carlos Souza, coordenador do MapBiomas

 

INCÊNDIOS Como no ano passado, o fogo começa a avançar em vários pontos do País (Crédito:ETTORE CHIEREGUINI)

A plataforma MapBiomas, projeto colaborativo que envolve universidades, organizações ambientais e empresas de tecnologia, colheu imagens do sistema de satélites Landsat e, o que se descobriu foi que o Brasil perdeu 15,7% de superfície de água desde 1991. O que era quase 20 milhões de hectares, se transformou em pouco mais de 16 milhões, o equivalente à área do estado do Acre ou quatro vezes o território do Rio de Janeiro. Com as fotografias foi possível mapear nacionalmente alterações mensais e anuais nos corpos d’água superficiais a partir do ano de 1985. O trabalho identificou problemas em todos os biomas: a Amazônia, que concentra o maior volume do líquido, diminuiu sua cobertura hídrica de 11,6 milhões para 10 milhões de hectares e, portanto, perdeu 14% no período, especialmente na bacia do Rio Negro. A Caatinga perdeu 15% desde 1991, no Cerrado houve uma queda na superfície de água de 5,5%, na Mata Atlântica, 4,6%, e nos Pampas, de 0,4%. A situação mais grave, porém, é verificada na região do Pantanal, entre os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, reconhecida como a maior planície inundável do Planeta. Foi o lugar que, percentualmente, mais perdeu água. A queda atingiu 74% da superfície hídrica desde 1985 e 71% desde 1991. A superfície média de água no Pantanal caiu de 1,6 milhão para 0,6 milhão de hectares.

Segundo Carlos Souza, a diminuição de água foi determinante para a ocorrência de incêndios como se viu no ano passado, quando quatro milhões de hectares (26% do bioma pantaneiro), foi consumido pelo fogo. A intensificação das queimadas continua esse ano do Oiapoque ao Chuí. Na região Amazônica, na zona rural de Apuí, o fogo foi tão severo que a toxicidade da fumaça causou o aumento de 18% no número de infecções respiratórias graves. Em São Paulo, no Parque Estadual do Juquery, as chamas consumiram 80% da vegetação. “O desmatamento florestal, a exploração predatória da mata fechada e todo esse conjunto de destruição, compromete o sistema de chuvas”, diz Cássio Bernardino, coordenador de projetos do WWF Brasil. E o pior é que as secas tendem a se intensificar. Como mostrou o Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas da ONU, divulgado recentemente, haverá nas próximas duas décadas um aumento de 1,5 grau na temperatura média global.

Frear o desmatamento, impedir o desenvolvimento urbano desgovernado, efetivar mudanças na escolha do padrão energético e do agronegócio, acarretaria a preservação da biodiversidade e, consequentemente, impactos sistêmicos positivos. Mas para resolver os problemas ambientais, inevitavelmente, as ações terão que passar pelo poder público, principalmente por decisões do Executivo e do Legislativo. Para Marcelo Laterman, porta-voz de Clima e Justiça do Greenpeace Brasil, quando os deputados preferem privilegiar uma legislação que beneficia a grilagem de terras, a tendência é que a destruição continue. A respeito da disposição do governo para desenvolver um plano de combate efetivo a destruição dos biomas, os especialistas concordam que não existe a mínima intenção em fazê-lo. Pelo contrário. Como se trata de uma administração negacionista, acolher definições científicas é algo que não vai acontecer. “A política atual é de destruição e não de preservação”, afirma Laterman.