Nascida em outubro de 2015, no Recife, Giovanna foi uma das primeiras bebês vítimas do surto de microcefalia associado ao zika. Hoje com 1 ano e 5 meses, ela ainda aguarda uma vaga para fazer fisioterapia, fono e outras terapias que poderiam aliviar os problemas de desenvolvimento causados pela má-formação. Vítima da mesma epidemia, Mikaelly nasceu em fevereiro de 2016, em Jundiaí, interior de São Paulo, e também está na fila de espera pelo tratamento de reabilitação.

Esses casos não são exceção. Dados inéditos do Ministério da Saúde mostram que um em cada três bebês com diagnóstico confirmado de microcefalia não teve acesso às terapias de estimulação precoce. O cenário foi encontrado em levantamento feito pelo ministério no fim de 2016 e publicado no site da pasta no mês passado.

O objetivo inicial da pesquisa, batizada de Estratégia de Ação Rápida, era identificar casos suspeitos de microcefalia, confirmar o diagnóstico e oferecer atendimento especializado. Ao fim da ação, em novembro, o ministério constatou que 2.347 bebês tiveram a má-formação confirmada e 1.524 deles (64,9%) eram atendidos em serviços de estimulação precoce.

Mas as estatísticas parciais de 2017 mostram situação ainda pior. Dos 156 bebês nascidos com microcefalia entre 1.º de janeiro e 15 de março deste ano, apenas 32 (20,5%) tiveram acesso às terapias de reabilitação.

A situação contraria o protocolo elaborado pelo próprio ministério em 2016 com diretrizes para o atendimento a bebês com microcefalia. No documento, a pasta ressalta a importância da intervenção precoce, tendo em vista que é no início da vida que o cérebro tem maior capacidade de estabelecer novas conexões. “O acolhimento e o cuidado a essas crianças e a suas famílias são essenciais para que se conquiste o maior ganho funcional possível nos primeiros anos de vida”, relata trecho do protocolo.

As consequências da falta de estimulação são sentidas por famílias de crianças que ainda não começaram o tratamento. “Ela não senta, não rola, não consegue segurar um brinquedo”, diz Gleyse Kelly Cavalcanti, de 29 anos, mãe de Giovanna e vice-presidente da União de Mães de Anjos (UMA), que reúne famílias de bebês afetados pela má-formação.

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Ela conta que a filha chegou a conseguir uma vaga na AACD do Recife para fazer fisioterapia, mas voltou para a fila de espera ao ter de se afastar do tratamento por causa de uma grave conjuntivite. “Ela fez três meses de fisio e, então, pegou conjuntivite. Eu levei os atestados para justificar as faltas, mas eles pediram para eu voltar para a fila de espera para que outra criança fosse atendida. O problema é que já faz dez meses que ela está nessa lista”, diz.

Membro do Departamento Científico de Infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria e chefe do setor de infectologia pediátrica do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, Maria Angela Rocha afirma que as terapias de estimulação não só melhoram o desenvolvimento motor e cognitivo da criança, mas também são fundamentais para a prevenção de complicações associadas à microcefalia. “Muitas crianças com danos neurológicos têm problemas de deglutição. Isso aumenta o risco de aspiração de alimentos. Nesses casos, as sessões de fonoaudiologia são muito importantes.”

Mikaelly é uma das bebês que têm dificuldades para engolir por causa da microcefalia. “Nos primeiros meses, ela costumava engasgar muito. É uma situação difícil. Eu já sou sozinha para cuidar dela, tive que largar emprego e ela ainda fica sem os tratamentos de reabilitação”, conta a mãe, a dona de casa Amanda Claudiane Evaristo de Souza Silva, de 20 anos.

Questionado, o Ministério da Saúde informou que vem investindo na abertura de novos serviços de saúde. “Foram destinados R$ 114,3 milhões para custear o atendimento em Centros Especializados em Reabilitação (CER) e novas equipes de Núcleos de Apoio de Saúde da Família”, disse a pasta. O ministério afirma que 52 novos CERs foram abertos desde outubro do ano passado. A pasta ressaltou ainda que são os médicos especialistas os responsáveis por decidir quais tratamentos e terapias serão indicados em cada caso. Segundo a pasta, 80% dos bebês passaram por esse atendimento especializado.


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