O social-democrata Bernardo Arévalo assumirá a presidência da Guatemala neste domingo (14), após meses de manobras judiciais, mas o Congresso está envolvido em discussões de última hora que impediram a instalação da nova legislatura responsável por juramentá-lo.

O início da cerimônia de posse está marcado para as 18h00 (horário de Brasília), mas o Parlamento unicameral, majoritariamente de direita, está analisando se permite que os deputados de Arévalo integrem uma bancada como partido ou se os declara “independentes”.

Uma comissão parlamentar, composta por conservadores, está revisando as credenciais dos novos 160 deputados, mirando os 23 do partido de Arévalo, o Movimiento Semilla (Movimento Semente, tradução literal), suspenso temporariamente a pedido do Ministério Público, que acusa o movimento de irregularidades em seu processo de formação em 2017.

Isso aumentou a tensão e atrasou a instalação do novo Congresso, que deverá juramentar o sociólogo, ex-diplomata e filósofo de 65 anos, para um mandato de quatro anos, em uma sessão solene no Teatro Nacional, no centro da capital.

Arévalo, filho do primeiro presidente democrático da Guatemala, passou inesperadamente para o segundo turno presidencial em junho com uma candidata conservadora aliada do governo, a quem derrotou confortavelmente com 60% dos votos por sua mensagem anticorrupção.

Desde então, Arévalo e seu partido Movimento Semilla foram alvo de uma ofensiva judicial que ele denunciou como um “golpe de Estado”, liderado pela elite política e econômica que tem governado o país por décadas.

O Ministério Público tentou retirar sua imunidade como presidente eleito, desmantelar seu partido progressista e anular as eleições, alegando irregularidades eleitorais.

A investida judicial, baseada em casos “espúrios”, segundo Arévalo, foi condenada pela ONU, OEA, União Europeia e Estados Unidos, que anunciaram sanções contra centenas de promotores, juízes e deputados por “corrupção” e por “minar a democracia”.

Como sinal de apoio, a posse conta com a presença do chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, representantes dos Estados Unidos, o rei da Espanha, Felipe VI, e, entre outros, os presidentes Gabriel Boric (Chile) e Gustavo Petro (Colômbia).

– Poderá governar? –

À espera da posse, centenas e indígenas marcharam pelo centro da capital em apoio a Arévalo e em “defesa” da democracia.

Arévalo substituirá o direitista Alejandro Giammattei, que foi vinculado ao chamado “pacto de corruptos”, durante cujo governo dezenas de promotores, juízes e jornalistas tiveram de se exilar após denunciarem atos de corrupção.

O futuro presidente da Guatemala reconhece que enfrentará enormes desafios, pois as “elites político-criminosas, pelo menos por um tempo, continuarão arraigadas” nos poderes do Estado.

Arévalo pedirá esta semana a renúncia da procuradora-geral Consuelo Porras, líder da ofensiva judicial. Analistas não descartam, porém, que o Ministério Público continue a perseguição e insista em pedir ao Congresso que retire sua imunidade presidencial.

“Estará sob cerco permanente. Seu maior desafio é atender ao desejo do povo: não ser governado pelo pacto de mafiosos. Ele precisa desmantelá-lo; caso contrário, não poderá governar”, disse o analista Manfredo Marroquín à AFP.

– “Não está tudo em suas mãos” –

A Guatemala que Arévalo herda ocupa o 30º lugar entre 180 países no ranking de corrupção da Transparência Internacional e tem 60% de seus 17,8 milhões de habitantes vivendo na pobreza, um dos índices mais altos da América Latina.

Dezenas e milhares de cidadãos emigram todos os anos para os Estados Unidos em busca de trabalho e fugindo da violência das gangues e do tráfico de drogas.

“Não está tudo em suas mãos, não esperamos uma mudança de 100%, mas que cumpra o que disse”, declarou Hellen Chua, estudante universitária de 18 anos.

Arévalo disse no sábado que “o mais urgente” é recuperar as instituições “cooptadas pelos corruptos”, mas “o mais importante” é trabalhar pelo desenvolvimento social no ataque à pobreza.

Com esse objetivo, ele nomeou um gabinete com 14 ministros. Mas foi criticado por alguns apoiadores por incluir figuras do setor privado ou vinculadas a governos anteriores, e somente um indígena.

Filho de Juan José Arévalo (presidente de 1945-1951), defensor de importantes reformas sociais no país, nasceu em Montevidéu. Na infância, morou na Venezuela, no México e no Chile, no exílio de seu pai após o golpe orquestrado pelos Estados Unidos em 1954 contra o progressista Jacobo Árbenz.

Arévalo é poliglota e amante do xadrez, pai de três filhas e casado com a médica Lucrecia Peinado, que por sua vez tem três filhos.

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