Quatro anos após afiançar a candidatura de Jair Bolsonaro ao Planalto pelo PSL, Luciano Bivar volta à cena com a promessa de marchar em trincheira oposta à do antigo aliado nas eleições. Com voz de comando sobre o União Brasil, o deputado, lançado sob ceticismo à corrida presidencial, afirma que Bolsonaro “falhou em quase tudo” e condena a escalada do discurso golpista do capitão. “Sou democrata e tenho muito receio de que nosso País, amanhã, possa ser um regime de força”, declara. Bivar minimiza as dificuldades na construção de alianças após o rompimento com a terceira via e critica o PSDB pela decisão de apoio a Simone Tebet. “Caminha para uma insignificância muito grande”, avalia ele, em entrevista à ISTOÉ. Apesar dos percalços, ele argumenta que seu partido, o mais rico do pleito desse ano, tem “luz própria” e confirma a tendência de uma chapa puro-sangue, aventando os nomes da senadora Soraya Thronicke e da advogada Rosângela Moro, esposa de Sergio Moro, como possíveis vices.

O meio político afirma que sua candidatura é de fachada. Ela será levada até o fim?
As avaliações fazem parte da politicagem. Como se vai construir uma candidatura de fachada reunindo a totalidade dos membros do Conselho Executivo do partido, com homens que são governadores, ex-ministros? Não se envolve personalidades de alta responsabilidade para lançar uma candidatura que não seja legítima.

Por que, então, permitir que os diretórios apoiem outros nomes, como Lula e Bolsonaro?
É natural que alguns já tenham feito alianças em seus estados com esse ou aquele partido. Mas, à medida que formos progredindo com a nossa campanha, as coisas irão se ajustar. Todos deverão estar acertados com a candidatura do União.

O sr. tem enfrentado dificuldades na construção de alianças. Como reverter o quadro?
Tenho conversado com diversos partidos, mas uma coisa que nos deixa confortáveis é que o União Brasil tem luz própria. Podemos sair até com uma chapa puro-sangue.

Quem seria o vice nesse caso?
Os nomes da senadora Soraya Thronicke e de Rosângela Moro são discutidos.

O que dificulta a aproximação com outros partidos?
O União Brasil tem o projeto econômico baseado no imposto único. Nossa simplificação tributária é inegociável. A gente não pode continuar com esse manicômio tributário do país. Com o imposto único, vamos simplificar, de partida, onze impostos federais em um único imposto. Toda a população será tributada e, quando todos pagam, todos pagam menos. Nossa alíquota vai permitir que quem ganha até seis salários mínimos esteja isento do Imposto sobre Renda e do desconto da Previdência Social. Se você contrata um funcionário por R$ 4 mil, no final do mês, ele ganhará R$ 4 mil, porque não haverá aquela mordida do leão. Assim, sobra dinheiro para que ele compre mais feijão e farinha. É uma ajuda permanente, estruturante.

Carlos Lupi, presidente do PDT, já externou o desejo de uma aliança. Uma dobradinha com Ciro Gomes é possível?
O programa do Ciro é totalmente diferente do nosso. Ele tem umas propostas econômicas com as quais nós não concordamos. Acha que pode resolver os problemas do Brasil taxando grandes fortunas, cobrando impostos sobre lucros e dividendos. Quer reduzir incentivos fiscais e deixar milhões de brasileiros livres do SPC. Pretende acabar com a política de paridade internacional do preço do petróleo. Veja bem, a Petrobras é uma empresa pública, mas é uma empresa e, assim, tem de estar de acordo com o insumo que ela compra. O problema dela precede a isso. É preciso que não se deixe a Petrobras deter o monopólio, que se abra para outras empresas, porque o grande responsável pela alta de preços é a falta de concorrência.

Por que as opções à polarização não decolam?
Lula esteve no poder, por meio do PT, e Bolsonaro está no poder agora. É claro que o recall deles será maior. Por outro lado, o União Brasil está com campanha há duas semanas. Teremos um período de maturação.

Mas o tempo é curto…
Tenho que vencer a dificuldade de não ser uma celebridade. Ninguém me conhece, a não ser no meio político. Mas as nossas propostas são diferenciadas. Tenho projeto de Educação, capitaneado por Mendonça Filho; de Saúde, por Luiz Henrique Mandetta; de Segurança Pública, por Sergio Moro; de Minas e Energia, por Fernando Filho. Na área econômica, estamos conversando com Henrique Meirelles e Marcos Cintra. Temos conteúdo e faremos com que ele chegue à ponta da linha, no eleitor. Por isso acreditamos que vamos romper a bolha da polarização.

Como o União Brasil encarou a decisão que invalidou a transferência do domicílio eleitoral de Sergio Moro para São Paulo?
Foi lamentável, mas defendo as instituições do País. Se assim a corte definiu, assim será.

Ele enfrentará problemas para se candidatar pelo Paraná, já que, lá, a cúpula é bolsonarista?
Não. No Paraná, ele escolherá a qual cargo quer se candidatar: governador, senador, deputado. Apoiaremos qualquer que seja a decisão dele, com total liberdade.

O sr. marchou ao lado de Bolsonaro em 2018, mas o rompimento foi conturbado. Nutre mágoas?
Meu relacionamento com Bolsonaro foi político. Eu não conhecia o ‘eu’ de Bolsonaro como ele não conhecia o ‘eu’ de Luciano. A gente só se decepciona quando espera algo de alguém. Não tenho porque dizer que estou decepcionado e magoado. Talvez surpreso.

Qual a avaliação sobre o governo dele?
Ele falhou em quase tudo. No aspecto da economia liberal, nada fez. Lembro que tinha um amigo no governo, Salim Mattar. Em uma reunião, ele disse: ‘Pensei no passado que meu adversário eram os concorrentes, hoje vejo que é o governo. Por isso, vim para dentro, para mudarmos isso’. Mas, tempos depois, ele não aguentou. Saiu, porque o que se falava em discurso por Bolsonaro não era aplicado na prática. Ele, como secretário especial, não tinha poder. Além disso, o respeito às instituições não foi cumprido. Isso é o que mais me preocupa. Sou democrata e tenho muito receio de que nosso País, amanhã, possa ser um regime de força. Quando não se respeita as instituições, principalmente a instância judicial, há um negacionismo à teoria científica do Direito. Esse negacionismo leva à bárbarie.

Bolsonaro pode não aceitar o resultado das urnas?
Esse é um dos possíveis problemas. Mas imagine se ele for eleito. No momento seguinte, pode indicar dois ministros para o Supremo em 2023 e fica mais próximo de ter maioria na corte. E se baixar um AI-5 e fechar o Congresso?

A pulverização facilita a sanha golpista?
Estamos unidos em favor da democracia. Isso é o mais importante. Defendemos duas coisas. Somos diferentes de Lula e Bolsonaro, que têm métodos diferentes, mas, no fundo, são inimigos da liberdade. O primeiro é contra a liberdade econômica e o segundo contra a liberdade democrática. E a perda da liberdade econômica traz, como consequência, a perda da liberdade democrática.

O programa de Lula prevê, por exemplo, o fim do teto de gastos e a revogação da reforma trabalhista. Como o sr. enxerga as propostas?
A minirreforma trabalhista só veio para gerar mais empregos e tranquilidade. Precisamos, na verdade, de mais reformas ainda. E não ter um teto de gastos é inadmissível. Até na sua casa, você, com base em seu salário, sabe que tem um limite e não pode extrapolá-lo com as despesas. Se extrapolar, bate no Serasa. A não ser que venha um candidato maluco que diga: ‘Ninguém paga Serasa, não’. Um orçamento público é igual a um doméstico. Claro, um é mais complexo que o outro. Mas, de toda maneira, quando você se torna rebelde e deixa de ter educação financeira, se estabelece o caos.

Com poucas chances de furar a polarização, o União escolherá entre Lula e Bolsonaro ou manterá neutralidade no segundo turno?
Eu me recuso a votar em qualquer um desses lados. Mas posso te dizer que acredito muito na parcela silenciosa da população que não quer os candidatos da polarização. Quero que essa parcela da sociedade perca o medo e não aceite a realidade, que aposte na esperança.

Como encarou a decisão do PSDB de apoiar a candidatura de Simone Tebet e não a do sr.?
O que o PSDB fez foi caminhar para uma insignificância muito grande, porque o partido fazia parte de um bloco de siglas que pensavam da mesma maneira e preferiu se juntar a uma confederação que ninguém sabe para onde vai. Sem ironia, não entendo a decisão. Além de ser muito grande, o MDB é fragmentado em objetivos e pensamentos. Não há nem a certeza de que vão homologar a candidatura de Simone, porque eles preferem estar sempre do lado do poder.

O sr. rompeu com o PSDB nos estados, mas lideranças do União em São Paulo falam em manter o apoio a Rodrigo Garcia. Haverá represálias?
É natural que determinados candidatos a cargos proporcionais estejam alinhados em suas bases, mas a instituição partido vai caminhar, talvez, com uma candidatura própria em São Paulo. Nosso tempo de TV e recursos serão encaminhados para essa pessoa, que, inclusive, vai defender a candidatura do presidente do União. Se o partido tem um candidato ao Planalto, como vai apoiar algum governador que aposta em outro presidenciável?

O sr. já aventou também a possibilidade de apoio a Fernando Haddad. Não seria uma guinada à esquerda?
No campo político, a esquerda brasileira é democrática. Se algum prócer do PT entender nosso plano econômico e demonstrar não ser bravata para ganhar a eleição, podemos pensar nisso. Mas é fundamental que o plano esteja subscrito, embora o papel aguente tudo.

Por que diz que o papel aguenta tudo?
Quando Bolsonaro foi para o PSL, subscrevemos uma carta com a promessa de respeito às instituições democráticas e à economia de mercado. O documento não foi cumprido. Fico muito preocupado, porque antes do discurso e do papel vem o homem. Tem um presidente de um partido [Bruno Araújo] que já disse: ‘Sabe que a política vale mais do que está escrito. Essa prévia que fizemos não vale de nada’. Meu Deus do céu, estamos em uma República de bananas?

Essa era uma agenda, também, de Paulo Guedes. Ele não avançou por erros próprios ou por ter sido brecado por Bolsonaro?
O Paulo Guedes atual assassinou o Paulo Guedes de 2018. Nunca vi duas pessoas tão distintas. Ele vendeu a sua personalidade e os seus princípios apenas pela vaidade de ser ministro.