Em entrevista exclusiva concedida à ISTOÉ na quarta-feira 3 , o ministro da Justiça, Sergio Moro, afirmou que a execução das condenações após o julgamento em 2ª instância constituiu a mudança mais importante para a diminuição da impunidade no País. Por isso, ele nutre a “expectativa e esperança de que o STF, responsável pela inovação, não irá rever essa decisão”. O Supremo Tribunal Federal (STF) deveria se reunir nesta quarta-feira 10 para decidir se manteria ou voltaria atrás na decisão, tomada em 2016 de permitir a prisão de condenados em tribunal colegiado, mas adiou a plenária. Há pressões de todos os lados. Entre as quais para que a jurisprudência seja mudada.

Enquanto torce para que tudo permaneça como está no STF, Moro — à frente do ministério a três meses — trabalha para endurecer as leis, sobretudo para os chamados crimes de sangue. Hoje, o Brasil é a nona nação com o maior número de assassinatos em todo mundo. A ideia é melhorar a posição do País nesse ranking, que nos coloca atrás apenas de Honduras, Venezuela, El Salvador, Colômbia,Trinidad e Tobago, Jamaica, Lesoto e África do Sul.

Na entrevista, o ministro explicou que seu projeto, já em apreciação no Senado, prevê que os sentenciados em Tribunal do Júri sigam direto para a cadeia e não fiquem livres enquanto a Justiça aprecia os inúmeros recursos. Para ele, essa ciranda faz com que muitos condenados levem até dez anos para pagarem seus crimes atrás das grades.

À ISTOÉ, Moro disse ainda que a proposta pretende inserir uma novidade no Código Penal que é a “plea bargain”, que permitirá ao preso delatar outros criminosos implicando na redução de sua pena. Moro entende que as medidas podem até superlotar as cadeias brasileiras, mas, para ele, “um criminoso perigoso custa mais caro solto do que preso”.

 

O senhor propõe no pacote anticrime que a prisão passe a valer após sentença em 2ª instância, não só para crimes de corrupção, mas para presos comuns. O que pode acontecer se o STF rever a decisão que permite a prisão após julgamento em segundo grau?
Sempre argumentei que a execução de condenações após o julgamento da 2ª instância foi a mudança mais importante para a diminuição da impunidade de grande corrupção e mesmo de crimes praticados por pessoas poderosas. Todos são iguais perante a lei. Ela deve proteger o vulnerável, mas também servir à responsabilização de qualquer pessoa, inclusive poderosa, que pratica um crime. Tenho expectativa e esperança de que o STF, responsável pela inovação, não reverá a sua jurisprudência.

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O Brasil ostenta o nono índice mundial de assassinatos por 100 mil habitantes, com uma taxa de 30,8. Mas há estados com índices de 64,7 por 100 mil, acima até dos lugares considerados mais sangrentos do mundo. Como mudar essa realidade?
O projeto anticrime contém várias disposições contra crimes violentos como homicídios ou feminicídios. Propõe a execução imediata das sentenças proferidas pelos Tribunais do Júri que julgam crimes dolosos contra a vida. Prevê ainda que recursos contra a decisão do juiz que remete o caso ao Júri, na pronúncia ao sentenciado, não mais terão efeito suspensivo. Não é incomum que esses casos levem mais de dez anos para serem julgados. Isso vai reduzir esse tempo significativamente e tirar assassinos de circulação. Além disso, a ampliação do Banco Nacional de Perfis Genéticos vai ampliar a taxa de resolução desses crimes, assim como de outros.

“A expectativa é que, com o incremento da eficácia das investigações e dos processos aliados ao endurecimento dos crimes mais graves, isso gere um efeito preventivo geral, diminuindo os crimes” (Crédito:Caio Guatelli)

Como a violência parece estar ligada à pobreza, o senhor acha que ela só será reduzida quando a economia melhorar?
A redução da criminalidade demanda a adoção de políticas públicas de segurança concertadas com políticas de educação, saúde, urbanísticas, em uma ação integrada. Investir, por exemplo, na recuperação de áreas urbanas degradadas faz diferença. Emprego e desenvolvimento também. Mas tirar criminosos perigosos da rua, combater o crime organizado e reduzir a corrupção, com medidas de segurança pública e Justiça, também fazem a diferença. Uma política não exclui a outra.

O senhor propõe que os condenados que cometem crimes hediondos deveriam demorar mais tempo para conseguir a progressão de pena, passando dos atuais dois quintos para três quintos. Não é pouco para crimes bárbaros que chocam a sociedade?
O projeto anticrime prevê que o condenado por crimes hediondos com resultado morte só poderá progredir após o cumprimento de 3/5 da pena. É uma elevação em relação à exigência atual. Ele só deve também progredir se constatado que ele tem condições de ressocializar-se. É importante investir na recuperação dos condenados, mas é razoável, para crimes graves e violentos, endurecer o sistema. Já é um avanço, embora sejam razoáveis posições daqueles que defendem um endurecimento maior para esse tipo de crime.

Seu projeto está propondo a “plea bargain” para que os bandidos que confessarem seus crimes tenham redução de pena, como já se faz com a delação premiada para casos de corrupção. Há ainda a execução da pena imediatamente após decisão do júri. Essas medidas não contribuirão para superlotar as cadeias?
O projeto anticrime tem por pressuposto que não é possível um endurecimento geral do direito penal, pois o sistema carcerário, já com superlotação, não comportaria tal medida. Mas o endurecimento focalizado em crimes mais graves é viável. A expectativa é que, com o incremento da eficácia das investigações e dos processos aliados ao endurecimento dos crimes mais graves, isso gere um efeito preventivo geral, diminuindo os crimes. A superlotação carcerária é um problema, mas um criminoso perigoso custa mais caro solto do que preso e abrir as portas das cadeias não é exatamente uma solução.

No seu projeto há a previsão de que, policiais que comprovarem que mataram um bandido em legitima defesa, terão extinto o processo por eventual violência policial. Essa medida não pode aumentar o número de pessoas mortas em confronto com a polícia?
Não há nada disso no projeto. Legítima defesa já é um instituto consagrado no direito e o projeto apenas explicita circunstâncias nas quais ela deve ser reconhecida para dar mais segurança aos agentes de segurança. Mas não há qualquer “licença para matar” como alguns críticos equivocados afirmaram. O policial deve prender e não matar o criminoso.

O senhor acha que a resistência no Congresso à aprovação do projeto anticrime já foi quebrada, com a paz selada com o presidente da Câmara, e agora ele será aprovado ainda neste primeiro semestre?
Tenho conversado com vários parlamentares, da Câmara e do Senado, e sinto grande receptividade, em especial dos relatores do projeto, como o deputado Capitão Augusto e senador Marcos Do Val. O governo e o Congresso, juntos, tem a oportunidade de liderar um processo de mudança, atendendo aos anseios da população por Justiça e Segurança. O tempo e a pauta pertencem ao Congresso, mas sinto dos presidentes de ambas as Casas uma grande boa vontade.


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