Pela primeira vez, um estudo que utiliza a tecnologia GPS quantificou o tempo a mais que o motorista de carro perde parado nos congestionamentos das horas de maior movimento do dia. Na capital paulista, em média, o tempo das viagens de automóvel é 69% maior entre as 7 e as 10 horas e entre as 17 e as 20 horas. Em alguns bairros, como a Vila Olímpia, na zona sul, essa diferença chega a 79%.

O estudo foi feito com base no monitoramento dos telefones celulares de taxistas e motoristas que prestam serviço para a empresa de aplicativos 99. Durante os três últimos meses do ano passado, eles fizeram a contagem do tempo de viagem, do ponto de origem ao local de destino de cada trajeto, nas principais capitais do País.

Em São Paulo e Rio, as cidades foram divididas em quadrantes, e os bairros também foram monitorados. As duas cidades do Sudeste ficam em posição menos ruim do que Porto Alegre (RS) e Recife (PE). Na primeira, o tempo de viagem é 77% maior nos horários de pico; na segunda, 74%. Mais bem colocadas na lista estão Brasília, onde o aumento é de 50%, e Curitiba, onde o acréscimo de tempo é de 58% em relação aos horários fora do pico.

Na capital paulista, o resultado das análises é uma mancha que se estende por todo o sul e o oeste do centro expandido (veja quadro ao lado). Dessa forma, é possível saber que, fora do horário de pico, cruzar a Vila Olímpia em direção à Vila Nova Conceição, por exemplo, demora, em média, dez minutos. Durante o rush, esse tempo sobe para quase 22 minutos.

“Tento fugir do congestionamento. Às vezes tento chegar mais tarde, às vezes vou ao shopping e tento andar pelas ruas para esperar o trânsito melhorar. Mas é difícil conciliar o horário da reunião e a hora do trânsito”, diz a analista de sistemas Cinthia Gomes, de 27 anos, que trabalha na Vila Olímpia.

Outra lentidão agora aferida é para atravessar o Rio Pinheiros no horário da manhã. Sair da Vila Andrade na direção da Avenida Brigadeiro Faria Lima, em um trajeto de sete quilômetros, demora 22 minutos fora do pico e 46 no rush.

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Análise

“Os carros que estão usando o aplicativo emitem dados de GPS e podemos ver a cada três segundos o que está acontecendo com os carros. A gente vê de forma agregada, não sabemos quem são os motoristas nem os carros”, explica Ana Guerrini, diretora de Pesquisa e Políticas Públicas da 99, que coordenou o estudo. “A metodologia é universal, usada em outros índices no mundo. Todas as viagens do horário de pico, fazendo um trajeto específico, são comparadas com 25% de viagens mais rápidas, fazendo esse mesmo trajeto, fora do horário de pico”, continua. “O que o ranking indica é que no horário de pico a viagem demora ‘X’ % mais do que fora do horário de pico”, completa.

A proposta da empresa, ao realizar a pesquisa, é compartilhar dados com as autoridades de trânsito, para auxiliar o planejamento viário. Em São Paulo, esse olhar “regional” é adotado pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), que divide o município em oito Gerências de Engenharia de Tráfego (GETs) “para atender a realidade de cada região, com adoção de medidas específicas para o tráfego”, informa o órgão, por meio de nota.

Estrutura

A colocação da Vila Olímpia como área mais problemática, em que essa diferença é maior, não surpreende especialistas. O engenheiro de trânsito Flamínio Fichmann, consultor de mobilidade, destaca que o bairro há 40 anos tinha um traçado viário compatível com os usos de uma época de sobrados e galpões industriais. “Mas a região foi verticalizada, ganhou grandes edifícios, shoppings, muitos polos geradores de tráfego, sem que as ruas estreitas fossem alargadas ou melhor conectadas às vias coletoras de tráfego da região.”

“Uma solução óbvia seria a ida da Linha 5-Lilás (que começa no extremo sul) para a região. Mas a opção foi seguir com ela até a Avenida Ibirapuera”, comenta o engenheiro. Já a Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô) informou que tem estudos preliminares de um ramal que passaria pelo bairro, chamada Linha 20-Rosa, a partir da Lapa, zona oeste, seguindo até a Avenida dos Bandeirantes – mas sem nenhum cronograma. Fichmann destaca que, dada a impossibilidade de alterações no traçado do bairro já consolidado, a fluidez melhor na região dependeria de ações impopulares, como restrições a estacionamento e até pedágio urbano.

Além das autoridades, o mapeamento das áreas com trânsito pior ajuda também o próprio motorista, na avaliação de outro especialista da área, o engenheiro Horácio Augusto Figueira. “Os aplicativos podem indicar os melhores horários para uma pessoa ir a determinado bairro”, argumenta.

País

Medições idênticas foram feitas em outras áreas do País. No Rio, os bairros de Ipanema e Leblon têm piora nos horários de pico ainda maior do que na Vila Olímpia, segundo os dados da empresa. Quem vai dessas regiões para Copacabana, por exemplo, chega a gastar 81% mais tempo nos horários de pico. Para ir ao Aeroporto Santos Dumont, fora do horário de pico são gastos 22 minutos. No pico, são 33.

A pesquisa havia sido feita no ano passado, mas sem o recorte de dentro das cidades. A capital pernambucana também havia figurado como a de pior trânsito.

Horas disponíveis


“Foi uma conta matemática. Pagar o aluguel e não andar de carro, enfrentando o trânsito, se mostrou mais barato do que morar longe”, afirma o gerente de projetos de tecnologia Alex Fonseca, de 42 anos. Há dois anos, ao conseguir um emprego na Vila Olímpia, zona sul, ele se mudou do Butantã, na zona oeste, para residir perto do trabalho. E se mudou para escapar do tráfego na área mais problemática da cidade, segundo levantamento feito pela empresa 99.

“Eu tenho três opções para ir ao trabalho agora. De táxi, demoro 15 minutos. De bicicleta, que também uso, levo 8. A pé, demoro 40, porque vou caminhando, sem pressa”, afirma. Mesmo a opção mais demorada ainda é mais rápida do que o gerente levaria se mantivesse a moradia na zona oeste, segundo explica, mas sem o estresse de ficar preso na fila de carros. “Comecei a procurar um apartamento assim que comecei a trabalhar aqui. Demoraria mais de uma hora, certamente.”

Fonseca afirma que o aluguel na Vila Olímpia é mais caro do que o que ele gastava morando na zona oeste, mas que a soma do corte de gastos com o carro e o ganho de horas durante o dia entrou na equação matemática. “Eu ganho por hora trabalhada. Morando perto do trabalho, tenho mais horas disponíveis, posso trabalhar mais porque perco menos tempo no trânsito. E a vida é melhor. Faço caminhada, ando de bicicleta”, afirmou ele, na noite de quarta-feira, 18, enquanto voltava para casa a pé. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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