O anel prateado, milímetros mais largo do que o dedo anelar da mão direita de Roger Waters, era cravejado por 15 pedras verdes brilhantes. Havia espaço para uma a mais. É possível que a 16.ª tenha escapulido em uma das incontáveis vezes nas quais o ex-baixista do Pink Floyd esmurra a mesa, animado (ou angustiado) ao falar de política internacional. E ele fala muito sobre o tema, até mesmo quando o assunto principal é a turnê intensa do músico pelo Brasil no próximo ano, a maior já realizada por ele no País, com sete datas, no mês de outubro.

Com o nome de Us + Them, a tour passará por São Paulo (dia 9 de outubro, no Allianz Parque), Brasília (dia 13, no Estádio Mané Garrincha), Salvador (dia 17, na Fonte Nova), Belo Horizonte (dia 21, no Estádio do Mineirão), Rio de Janeiro (dia 24, no Maracanã), Curitiba (27 de outubro, no Estádio Couto Pereira) e Porto Alegre (dia 30, no Estádio Beira-Rio).

O encontro com jornalistas na tarde desta sexta-feira, 8, era para tratar de Us + Them, o giro mundial iniciado em maio deste ano, nos Estados Unidos, motivado também pela chegada de Is This the Life We Really Want?, o primeiro disco de estúdio do baixista desde Amused to Death, lançado há 25 anos. Quando fala de música, Waters aperta os olhos azuis e pousa as mãos sobre a mesa de madeira. Calmamente, explica a composição do repertório da apresentação. “No total, serão 75% de músicas antigas e 25% do novo álbum”, conta.

O papo não fica em música por muito tempo, contudo. Logo na primeira pergunta realizada por um colega jornalista – “em termos de música e declaração política, o que devemos esperar de Us + Them?” – Waters falou por oito minutos e 23 segundos. Chegou, na sua dissertação, até Mike Pence, vice-presidente dos Estados Unidos e apoiador do ensino da teoria criacionista nas escolas do país nas aulas de ciência. “Em CIÊNCIA! Vocês acreditam?”, diz ele, é claro, esmurrando a madeira com a mão direita.

Em uma mesa redonda rodeado por seis jornalistas, Waters também recebeu perguntas mais leves, embora tenha tratado cada uma delas com um misto de desprezo e piada. “Esteve em Trancoso (Bahia) por quantos dias? Duas semanas?”, pergunta outro. “Que seja”, respondeu, apenas, após as notícias de que ele estaria de férias nas proximidades de Porto Seguro, disfarçadamente, “como um habitante local”. Questionado especificamente sobre o show de Salvador, na mesma Bahia, Waters faz o tipo espertinho. “Espero que seja igual a todos os outros na América Latina. Essa região é muito especial”, ele diz. Por enquanto, o baixista passou por Estados Unidos e Canadá. Em janeiro, reinicia o giro pela Oceania, segue para a Europa durante o verão do hemisfério norte até agosto. Após nova pausa, ele deixa a casa onde mora, nos EUA, para chegar à América do Sul em outubro. O Brasil é a primeira parada, mas ele também passará por Uruguai, Argentina, Chile e Peru.

Interessante, mesmo, foi ouvir do criador de discos fundamentais do Pink Floyd, como Dark Side of the Moon (1973), Wish You Were Here (1975), Animals (1977) e The Wall (1979), lançados numa sequência arrasadora, que ele não ouve música nas férias. “Aliás, eu considero música em lugares públicos uma poluição sonora”, diz, rabugento. “Passei um tempo das minhas férias pedindo para as pessoas, por favor, desligarem a música ambiente”, conclui.

Outro tenta provocá-lo com uma questão sobre as bandas covers de Pink Floyd, mas Waters não trata as homenagens de fãs com a mesma ferocidade com que fala de Donald Trump, atual presidente dos Estados Unidos. “Ele, aliás, é tão enormemente burro que o que eu digo não lhe afeta. Sabe por quê? Porque ele não entende o que estou dizendo!” Plam! Mais uma pancada na mesa de madeira. Pobre anel. “Acho bonita a homenagem de bandas-tributo. Antes, achava que era roubo. Agora eu agradeço”, conclui.

Desconcertado Waters ficou quando foi questionado sobre a possibilidade de fazer um álbum que não fosse conceitual. “É como se perguntassem para Van Gogh por que as pinceladas dele são assim ou por que aquelas flores estão tão amarelas”, disse Waters. Dessa vez, o olhar dele mostrava uma certa curiosidade de onde aquela ideia veio. Entre engasgadas, refletiu que não se vê “fazendo música pop de três minutos”, embora tenha elogiado canções como Everybody Hurts, do R.E.M., e compositores como Bob Dylan e Neil Young.

Us + Them pode ser, contudo, a última turnê do músico. Em entrevistas anteriores, ele havia sinalizado com a possibilidade de parar, “dependendo da duração da nova turnê”, explicou o artista de 74 anos. A audição do ouvido direito, por exemplo, já está prejudicada, como ele mesmo pontuou durante a entrevista. À menção disso, Waters mexe a cabeça, para cima e para a baixo, em concordância.

Qual é a intenção, então, dessa que pode ser a última turnê? “Você vai precisar assistir ao show”, diz, ele malcriadamente, antes de seguir com seu raciocínio. “Minha ideia é potencializar a empatia entre todos os seres humanos. No meu ponto de vista, somos todos irmãos. Podemos ser diferentes, é claro, mas todos nós viemos da África. Agora, estamos na beira do fim do mundo. E está chegando, mesmo. Não é algo bíblico, do tipo: ‘O fim do mundo ocorrerá na próxima quinta-feira’. Estamos próximos de uma guerra, da destruição. E eu me importo Tenho filhos. Então, minha intenção é criar momentos de compaixão e empatia. E eu percebo isso acontecendo durante os shows, esse sentimento nascendo e se erguendo”, analisa.

Havia uma orientação por parte de quem organizava a coletiva de que Roger Waters estava cansado de falar de política, portanto, era preciso manter as perguntas no âmbito da música. Para um artista como Waters, contudo, isso é impossível. Crítico ferrenho de Donald Trump, o artista coloca a imagem do presidente dos EUA no telão da turnê quando executa Pigs (Three Different Ones), música cuja inspiração vem do livro A Revolução dos Bichos, de George Orwell, no qual os porcos são os líderes de uma revolução e, por fim, se tornam líderes autoritários. No telão, Waters espalha a sua mensagem: “Trump é um porco”.

Interessado na ordem política mundial, Waters constantemente arruma briga com artistas que farão shows em Israel – até Caetano Veloso e Gilberto Gil passaram por esse entrevero com o britânico, recentemente.

Em uma provocação ao público brasileiro, em maio, acrescentou a imagem do presidente Michel Temer na capa do seu disco com a questão: “Brasil, é essa a vida que vocês querem?”, em alusão ao nome do álbum Is This the Life We Really Want?, lançado no mês seguinte. A última pergunta dos 20 minutos de entrevista, então, foi descaradamente de política, em uma sessão inusitada de responda com “sim ou não”. “Planeja usar a imagem de Michel Temer nos shows brasileiros?” Waters pensa: “Não sei. Deveria?”, provoca. “Bom, acho que eu deveria”, conclui, ri, e bate a mão na mesa. Plam!

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.