ALVO  O olho mais azul, primeiro romance da Nobel de literatura Toni Morrison: um dos livros mais banidos (Crédito:Divulgação)

Raça, gênero e sexualidade viraram temas altamente inflamáveis nos EUA, onde projetos de lei em mais de 25 estados republicanos vêm proibindo livros nas escolas, em um sinistro eco da polarização política norte-americana, que ultrapassa as campanhas, os palanques e debates televisivos e coloca em risco a educação de crianças e adolescentes. Famílias, políticos conservadores e conselhos escolares alegam que os textos trazem palavrões, cenas de nudez e difundem “ideologias radicais e racistas entre os estudantes”, como defende a organização ativista de direita No Left Turn in Education (Sem virada à esquerda na educação).

A perseguição a livros infelizmente não é algo inédito na História. Um de seus capítulos mais dramáticos foi a queima de obras de escritores alemães promovida pelo regime nazista em praça pública, em diversas cidades da Alemanha, no dia 10 de maio de 1933. Entre os títulos, havia criações de Stefan Zweig, Thomas Mann e Sigmund Freud. Na ficção, o assunto inspirou o romance futurista Fahrenheit 451, lançado em 1953 por Ray Bradbury, e adaptado para o cinema duas vezes: em 1966, por François Truffaut, e 2018, por Ramin Bahrani.

O tema tampouco é estranho ao Brasil, e a crescente onda conservadora pela qual o País vem passando reserva algumas passagens escabrosas. Em fevereiro de 2020, por exemplo, o governo de Rondônia distribuiu uma lista de livros que deveriam ser recolhidos por conterem “conteúdos inadequados” a crianças e adolescentes. Entre as obras estava Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, de Mário de Andrade.

Nos EUA, entre os autores e títulos alvos da chamada “red states war against books“ – como vem sendo chamada a guerra contra os livros promovida pelos estados vermelhos (a cor símbolo do partido Republicano) – estão o quadrinista Art Spiegelman e sua graphic novel Maus, em que o autor narra a história de seu pai, um judeu-polonês sobrevivente do campo de concentração de Auschwitz; e a escritora Toni Morrison, morta em 2019, primeira negra a receber o Nobel de literatura, em 1993, e cujo primeiro romance, O olho mais azul, aparece entre os títulos perseguidos.

VOCABULÁRIO Motivos para banir Maus, de Art Spiegelman: nudez e palavrões (Crédito:Divulgação)

O conto da aia, da canadense Margaret Atwood, também aparece na lista das obras visadas pela censura. Transformado em série televisiva em 2017, o livro retrata uma sociedade distópica, patriarcal e ultrarreligiosa. Nesse ano, a atração chega a sua quinta temporada, com exibição pela plataforma Prime Video. A editora do livro nos EUA, a Penguin Random House, lançou recentemnte uma edição à prova de fogo, fabricada com uma folha preta, fosca e fina de alumínio opaco, usada, entre outras aplicações, em filmagens, para cobrir refletores.

Atwood gravou um vídeo para seu canal no YouTube, em que aparece com um lança-chamas disparando contra o livro. A ação foi promovida pela Sotheby’s de Nova York, que está leiloando o exemplar até o dia 7 de junho, com um valor máximo estimado em US$ 100 mil. Até a quarta-feira, 25 de maio, o maior lance ofertado era de US$ 45 mil. A renda gerada vai ser doada à Pen America, entidade do país que luta pela defesa da liberdade de expressão.

Segundo dados coletados de meados de 2021 a março desse ano pela própria Pen America, dos 26 estados “vermelhos” onde alguns desses livros já foram banidos, os campeões de vetos são Texas, Pensilvânia, Flórida, Oklahoma, Kansas e Indiana. Entre as obras mais perseguidas está o romance de Morrison. Temas ou autores LGBTQIA+, no entanto, são os mais combatidos, caso de Beyond magenta, da escritora e fotógrafa Susan Kuklin, que traz perfis de jovens transgêneros. E Gender queer: a memoir, uma graphic novel autobiográfica da autora e ilustradora não-binária Maia Kobabe. Diante de toda a celeuma, vale relembrar uma frase lapidar do filósofo e teórico político irlandês Edward Burke (1729-1797), que serve de alerta a políticos, educadores e pais: “Um povo que não conhece a sua História está fadado a repeti-la”.

Fogueiras dos livros à brasileira

PASTOR CRIVELLA

Divulgação

Em setembro de 2019, o então prefeito da capital fluminense mandou recolher da Bienal do Livro do Rio o gibi Vingadores: A cruzada das crianças. Nas redes sociais, Crivella afirmou que ele continha “conteúdo sexual para menores”. Na HQ, dois dos personagens são namorados e aparecem se beijando.

SÉRGIO CAMARGO

Divulgação

Em junho de 2021, o então presidente da Fundação Palmares resolveu banir do acervo da instituição 300 títulos que, segundo um relatório interno, eram uma desvio “da missão institucional” da autarquia. Na lista, livros de Caio Prado Jr., Celso Furtado, Eric Hobsbawm, Karl Marx e Max Weber.

O CASO RONDÔNIA

Em fevereiro de 2020, a Secretaria de Educação de Rondônia distribuiu entre as escolas uma lista de livros a serem recolhidos, por seus conteúdos inadequados. Havia 43 títulos, entre eles “Macunaíma”, de Mário de Andrade, obras de autores como Caio Fernando Abreu e Nelson Rodrigues. A pasta voltou atrás na decisão.