O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) condenou, nesta terça-feira (17), a Espanha por realizar uma transfusão de sangue contra a vontade em uma paciente equatoriana que era membro das Testemunhas de Jeová.

O tribunal pan-europeu decidiu por unanimidade que a Espanha violou o artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos sobre o respeito pela vida privada, em linha com a liberdade de consciência e de religião (artigo 9º).

A Espanha deve pagar à demandante, Rosa Edelmira Pindo Mulla, 12.000 euros (13.350 dólares ou 73,6 mil reais) por danos morais e 14.000 euros (15.580 dólares ou 86 mil reais) por despesas judiciais.

“A Justiça foi feita e isso servirá para respeitar os direitos de outras pessoas no futuro”, afirmou a denunciante “feliz” em um comunicado enviado à AFP.

A mulher, de 53 anos, apresentou queixa em março de 2020 no tribunal com sede em Estrasburgo, no nordeste da França, pelo “paternalismo médico” que afirma ter sofrido.

Na audiência realizada em janeiro, o seu advogado, Petr Muzny, afirmou que as Testemunhas de Jeová são “frequentemente alvo de preconceitos” e argumentou que a mulher havia reiterado o seu desejo de cuidados médicos “de acordo com a sua consciência”.

As Testemunhas de Jeová, movimento cristão fundado na década de 1870 nos Estados Unidos, são frequentemente acusadas de derivas sectárias devido aos seus preceitos rigorosos, incluindo a rejeição de transfusões de sangue.

A advogada do Estado espanhol, Heide-Elena Nicolás Martínez, insistiu perante o TEDH no contexto de “grande emergência” em que foi tomada a decisão de realizar a transfusão.

– “Autonomia” –

Em julho de 2017, após uma série de exames médicos, Pindo Mulla foi aconselhada a se submeter a uma cirurgia. A mulher apresentou uma série de documentos indicando sua oposição à transfusão de sangue, mesmo que sua vida estivesse em perigo.

No dia 6 de junho de 2018, a paciente foi internada em um centro de Soria, no norte da Espanha, antes de ser transferida para um hospital de Madri devido a uma hemorragia.

Ao saber que ela era membro das Testemunhas de Jeová, os anestesistas consultaram o juiz de permanência, que autorizou todas as intervenções médicas necessárias para salvar sua vida. Pindo Mulla foi então operada e submetida a transfusões de sangue.

Na sua decisão, o TEDH sublinha que a ação médica se baseou “na preocupação primordial de garantir um tratamento eficaz” à paciente sob os seus cuidados e não contesta que “naquele dia [a sua] vida foi salva”.

No entanto, os magistrados consideram que o processo decisório “não garantiu o respeito suficiente pela autonomia da demandante, (…) que pretendia exercer” de acordo com um importante preceito da sua religião.

Com esta decisão, Muzny espera que os “poucos países” da Europa que não respeitam a decisão dos pacientes de recusar uma transfusão por motivos religiosos cumpram esta prática “que existe entre a maioria dos médicos”.

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