Pessoas que caminham pelas ruas e aparentam estar falando sozinhas, mas na verdade estão se comunicando com outras por meio dos óculos escuros. Crianças que parecem estar brincando no condomínio do prédio sem a supervisão de um adulto na realidade estão sendo atentamente monitoradas pelos pais por meio de seus relógios. Roupas que aparentemente estão apenas cobrindo a pele, mas fazem muito mais do que proteger o corpo e embelezar o usuário: monitoram a saúde e emitem alertas quando o nível de estresse está acima do normal. Esses itens lembram cenas de filme futurista, porém já fazem parte do dia a dia de muita gente e protagonizam o início de mais uma revolução tecnológica e comportamental. Os novos “wearables”, dispositivos tecnológicos de vestir, estão dominando o investimento em pesquisas das empresas e chegando com tudo no mercado. Apenas no Brasil, no primeiro trimestre de 2019, o número de vendas desses dispositivos cresceu 51,6% em relação ao mesmo período do ano passado. E as expectativas são bastante otimistas: estima-se que até o final do ano a alta deve ser de 91,3%. Os dados são de uma pesquisa realizada recentemente pelo IDC Tracker Brazil.

Mudança de hábitos

Enquanto esses aparelhos estão trazendo bons retornos financeiros para as empresas pioneiras, do outro lado dessa cadeia estão os usuários cujos hábitos de vida já estão sendo transformados. É o caso da administradora de empresas Daniela Cuqui. Ela comprou para a filha Lorenza, de 8 anos, um relógio que se conecta com seu smartphone. Com um só aparelhinho, ela eliminou diversas preocupações. O objeto possui função GPS, então ela sempre sabe onde a filha está e ainda recebe um alerta se ela sair da área demarcada. E o melhor: o dispositivo está sempre preso ao seu pulso. “Dei um celular há um tempo para ela, mas ela tinha de ficar carregando e acabava esquecendo. Então comprei uma bolsinha para ela carregar o celular, mas também acabava deixando o acessório esquecido em um canto. Agora não tem como esquecer, e se ela tirar do braço eu também recebo um aviso no celular”, diz Daniela. Além de mostrar a localização da filha, o aparelho, que leva um chip próprio de uma operadora de telefonia, recebe e faz ligações para números previamente autorizados e ainda conta com botão SOS. Uma mão na roda para a mãe que trabalha e não tem como acompanhar a menina o dia todo. Além de Lorenza, sua filha mais velha, de 23 anos, seu marido, sua mãe, que mora sozinha, e suas irmãs também usam relógios inteligentes. “É uma segurança, nossa família toda está conectada. Todo mundo fica mais tranquilo porque sabe que todos estão bem”, diz ela.

Uso de dispositivos remete a cenas de filme futurista e impõe novos costumes

Outro entusiasta dessa nova tecnologia é o advogado Flávio Schmidt, de 43 anos. Ele sempre viaja a trabalho para a Europa e para os Estados Unidos e aproveita a oportunidade para voltar com o que há de mais novo na área. Uma de suas mais recentes aquisições foram óculos que funcionam como fones de ouvido. Além de proteger os olhos, o item permite que ele ande de moto e faça exercícios sem se preocupar em carregar muitos objetos. Conectado ao smartphone via bluetooth, o equipamento é utilizado para ouvir músicas e fazer ligações por meio de comandos de voz e botões presos nas próprias hastes. “Parece uma trilha sonora, porque consigo ouvir o que as pessoas estão falando com som ao fundo. A gente tem a impressão de que a vida vira um filme”, diz ele. “Também é mais seguro, porque escutar o que se passa ao meu redor é fundamental para quem gosta de passear de moto”. Apesar de adorar os novos lançamentos, ele não os adquire no Brasil, mas apenas quando viaja. Devido aos altos impostos, os dispositivos chegam muito caros no País.

Esse é um dos motivos que faz com que muitos desses aparelhos, que já fazem parte da vida das pessoas em outros países, levem um tempo para chegar por aqui. Mas existem outros. “Muitos dos ‘wearables’ estão em fase de teste e só passam a ser exportados quando realmente são aceitos pelos usuários”, diz Edney Souza, Diretor Acadêmico da Digital House. Os relógios que monitoram a saúde são um exemplo disso. Após serem vendidos com sucesso para o mercado no exterior, eles chegaram com tudo no Brasil, e com diversas marcas. Além de já incentivarem os usuários a terem hábitos mais saudáveis, como caminhar e se movimentar, eles prometem vir com funções ainda mais aprimoradas. “Os pesquisadores estão conduzindo estudos em que os dados de batimento cardíaco coletados estão sendo aceitos como eletrocardiograma para identificar quem tem mais risco de problemas no coração. Em um futuro muito próximo, teremos menos pessoas falecendo em decorrência de um infarte”, diz Edney.

Marina Toeters, designer e pesquisadora em tecnologia fashion, organizou o livro “Unfolding Fashion Tech: Pioneers of Bright Future”, que reuniu 50 projetos na área, tanto em fase de protótipo quanto já disponíveis no mercado. De acordo com ela, as principais dificuldades para comercializar esses produtos são a aceitação do público e o preço de venda. Marina desenvolveu uma blusa que, por meio de finos sensores acoplados à blusa, coletam dados como batimento cardíaco e movimentos do usuário. “Eles ajudam as pessoas a se preocuparem mais com sua saúde e a relaxarem, enquanto podem continuar fazendo suas atividades”, afirma ela. O protótipo está sendo negociado com uma marca e deve chegar ao mercado em cerca de um ano. A ideia é produzir um volume de três mil unidades ao mês.

O preço alto ainda é um entrave para a comercialização e popularização dos equipamentos wearable

Eficiência profissional

Outra revolução dos “wearables” afeta as relações de trabalho. Em centros de distribuição na China, algumas empresas perceberam que os 30% de sua produção que tem de ser conduzida por seres-humanos (e não por robôs) podem contar com esses equipamentos para serem mais eficientes. A Cainiao, empresa de logística do Alibaba, desenvolveu relógios para os funcionários poderem se comunicar sem ter de ocupar as mãos, já que eles precisam carregar os pacotes, conta Edney. O Google também está investindo nessa área. Após o fracasso do Google Glass, a empresa criou um novo equipamento para atender empresas. Chamado de “Glass Enterprise Edition 2”, o objeto que parece com óculos comuns tem uma câmera e uma pequena tela que promete permitir ao usuário gravar vídeos e obter informações por meio de comandos de voz. A companhia anunciou que ele chegará ao mercado esse ano, e ao preço de US$ 999.

Apesar dos benefícios dos dispositivos de vestir, especialistas alertam que por estarem mais acessíveis no dia a dia, eles demandam cuidados extras para o usuário não se viciar. Há sempre o risco de se criar dependência e até alguma neurose para obter informações em tempo real sobre a própria saúde ou a segurança de seus filhos. Cabe ao usuário se desligar quando perceber que o mundo virtual está invadindo demais o mundo real.