Quando a eleição municipal for encerrada às 17h e os últimos resultados das urnas forem divulgados, no início da noite deste domingo, 29, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) dará início a uma contagem regressiva com um objetivo já definido: fazer com que as eleições presidenciais de 2022 não sejam maculadas pela ação de hackers mobilizados por verdadeiras milícias digitais. No primeiro turno, no dia 15, essas organizações criminosas trouxeram terror ao sistema eleitoral brasileiro, com tentativas frustradas de tirar o site do TSE do ar, desacreditar as urnas eletrônicas e ameaçar a democracia. Para isso, a direção do TSE, com o reforço de outros ministros do STF e de delegados da PF especializados em crimes eletrônicos, está avaliando a ação desses grupos criminosos e já decidiu direcionar a aplicação de pesados investimentos em tecnologia para impedir que essas quadrilhas, ligadas inclusive ao bolsonarismo, possam colocar em risco o sistema eleitoral brasileiro daqui a dois anos. Só para aperfeiçoar as 500 mil urnas eletrônicas, o TSE gastará R$ 700 milhões nos próximos dois anos — R$ 311,3 milhões apenas em 2021. No total, o tribunal investirá R$ 1,28 bilhão por ano para custear o processo eleitoral, com atenção especial aos hackers.

O ministro Luís Roberto Barroso prepara um sistema eleitoral ainda mais seguro para impedir ameaças ao próximo pleito (Crédito:Antonio Augusto)

Afinal, daqui a dois anos, quando os brasileiros irão às urnas eletrônicas escolher o sucessor de Bolsonaro, os dirigentes do TSE prevêem que o País poderá enfrentar a mais acirrada e beligerante disputa presidencial, como já vem se delineando nos últimos tempos. A montagem de um esquema em inteligência artificial que contenha o disparo de ameaças é fundamental. Assim, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do tribunal, está trabalhando, já nestas eleições municipais, em parceria com o ministro Alexandre de Moraes — que o sucederá no TSE e coordenará o pleito de 2022 —, para antecipar a solução de problemas que estão sendo registrados agora no campo tecnológico.

Bolsonaristas

Os ataques das milícias digitais ao TSE no primeiro turno foram direcionados por milicianos digitais por meio de 486 mil conexões por segundo e as investigações identificaram que partiram de defensores do voto impresso, em especial ligados ao presidente Bolsonaro, seus filhos e aliados. A Procuradoria-Geral da República (PGR), inclusive, já mandou investigar parlamentares interessados em desacreditar o processo eleitoral, como é o caso dos deputados Eduardo Bolsonaro (SP), Filipe Barros (PR), Carla Zambelli (SP) e Bia Kicis (DF), todos do PSL e umbilicalmente ligados ao presidente. Os ataques das milícias digitais, segundo o TSE, partiram do Brasil, EUA e Nova Zelândia e foram comandados por um grupo conhecido como Zambrius. Para impedir que esses grupos e parlamentares voltem a agir, e preparem novas ofensivas até 2022, é que Barroso e Alexandre de Moraes querem aprimorar a defesa tecnológica do tribunal.

Nos últimos meses, sobretudo em maio e junho, grupos extremistas, maioria bolsonaristas, desfecharam ataques às instituições, incluindo o STF, o que determinou a abertura de dois inquéritos no tribunal, sob a coordenação do ministro Alexandre, para apurar os responsáveis pela disseminação das fake news e dos atos antidemocráticos. Em todos esses crimes, além da recente tentativa de invasão ao site do TSE, a PF já identificou a participação das mesmas pessoas e grupos. Um deles é liderado pelo blogueiro Allan dos Santos, que está morando nos EUA e que o STF investiga como uma das pessoas que participa desses ataques à democracia. Na semana passada, Allan postou um vídeo com ameaças a Barroso, disseminando um tsunami de ódio nas redes. O blogueiro também é ligado a Eduardo Bolsonaro.

Segundo Lucio Rennó, professor de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), os custos eleitorais são os grandes gargalos a serem enfrentados no combate a essas milícias digitais. Ele concorda com Barroso no sentido de aplicar mais recursos em tecnologia. “É preciso que o TSE ande tão rápido quanto o sistema que sustenta as milícias digitais. Hoje, ficamos cada vez mais dependentes de investimentos nessa área, afinal, o TSE nunca ficou tão exposto como agora.” Por enquanto, para barrar a rede de atuação dos hackers, o TSE conta com apoio de uma outra rede do bem, que acompanhas movimentações dos criminosos e as comunica à Corte diante de qualquer tipo de irregularidade. No primeiro turno, o aviso de que o TSE estava sendo atacado foi feita pela SaferNet, uma organização não-governamental que atua em parceria com o Ministério Público Federal (MPF) no monitoramento de fraudes no processo eleitoral cometidas pela internet. Daqui até 2022, a guerra contra os sabotadores da democracia passa pela vigilância cibernética.