10/05/2020 - 8:00
Com o passar do tempo, os técnicos começaram a dividir o protagonismo no futebol com os jogadores. Continuará sendo assim quando as partidas forem retomadas no Brasil, mas não apenas pelo aspecto esportivo. Afinal, parcela relevante dos treinadores em atividade faz parte dos grupos de risco ao coronavírus. E receberá atenção especial quando os campeonatos começarem, com avaliações mais cuidadosas sobre a condição de saúde.
Apenas na Série A do Campeonato Brasileiro, são cinco técnicos com ao menos 60 anos, idade que baseia a composição inicial dos grupos de risco. São eles: os estrangeiros Jesualdo Ferreira, Jorge Jesus e Jorge Sampaoli, além de Vanderlei Luxemburgo e Paulo Autuori. Há exemplos em outros campeonatos, como Geninho, à frente do Vitória, com 71 anos. E também de veteranos que estão desempregados, mas podem se recolocar no mercado, como Luiz Felipe Scolari, Abel Braga e Marcelo Oliveira.
Os casos, porém, não se limitam apenas à faixa etária, incluindo pessoas que possuem asma, diabetes, hipertensão e outros problemas de saúde. É o que acontece com Renato Gaúcho, que está com 57 anos, mas passou por cirurgias cardíacas por causa de uma fibrilação atrial, problema bastante comum a ex-jogadores, o que levou, inclusive, o Grêmio a mantê-lo no Rio, embora o elenco já venha realizando trabalhos em Porto Alegre. Por isso, a saúde de diversos treinadores precisará de atenção.
Os protocolos de segurança para a volta do futebol indicam que todos os envolvidos nas partidas vão passar por testes contra o coronavírus para que estejam aptos a jogar e treinar. E os exames para profissionais do grupo de risco deverão ser mais rigorosos e frequentes, como detalha Moisés Cohen, presidente da comissão da Federação Paulista de Futebol, apontando planos de realização de dois diferentes tipos de testagem.
“Dependendo da faixa etária da pessoa, você pode ser um pouco mais rigoroso na testagem, fazendo o teste do RT-PCR no meio da concentração. E depois de uma semana, dez dias, você faz o sorológico. Aí você vai ter mapeado bem”, explica, ao Estado.
A realização de testes detalhados e seguidos se dá pela busca de um diagnóstico mais preciso da condição de saúde, algo importante para pessoas do grupo de risco. Mas especialistas reconhecem que não existe um limite seguro para a realização de todas as atividades, mesmo com o cumprimento de protocolos de prevenção e higiene.
Cohen aponta, porém, que não existirá necessariamente uma regra firme para os profissionais com mais de 60 anos. “Isso precisa ser customizado, não existe uma fórmula para todos que estão na faixa de risco”, comenta, destacando que há risco inerentes a qualquer processo.
Nos bancos de reservas, os protocolos da CBF e das federações estaduais indicam que os técnicos vão usar máscaras, assim como todos os profissionais que não estiverem dentro de campo. “Todos serão orientados a usar máscara, com exceção de quem estiver dentro das quatro linhas: jogadores, árbitros e assistentes”, explica Jorge Pagura, presidente da comissão de médicos da CBF.
“Eventualmente, ele poderá usar uma máscara em cada tempo”, acrescenta, sobre um cenário que parece não incomodar os treinadores. “Não seria um problema. É uma medida de segurança, vale para evitar o risco. É a mesma coisa para uso de luvas”, afirma Geninho.
É bem provável que exista uma orientação para que profissionais dos grupos de risco não se exponham ao trabalho, incluindo os jogos, no início da retomada das competições, ainda mais que a liberação da volta à rotina será gradual nas diferentes áreas de trabalho da sociedade.
No futebol, isso deve deixar profissionais como preparadores físicos, massagistas e auxiliares com mais de 60 anos fora do banco de reservas. A questão para os treinadores é que eles são profissionais “únicos”, quase insubstituíveis, o que deverá forçá-los a estar à beira do campo. “Esses não têm jeito e precisamos olhar com mais carinho e cuidado”, reconhece Cohen.
O cenário também se complica em caso de viagens. É possível que haja a recomendação de que profissionais do grupo de risco não façam deslocamentos, especialmente os aéreos, o que deverá ser avaliado a partir do cenário de contaminação de cada cidade. Assim, o trabalho com os times poderia ser remoto. “Tudo dependerá da epidemiologia local, das autoridades do município. Não está liberado? Então vai trabalhar por vídeo. A proibição não é nossa, é dos órgãos de saúde”, destaca Pagura, ressaltando que as decisões dependem do relaxamento ou não das medidas de isolamento.
Mas enquanto a volta do futebol parece um cenário distante, os treinadores aguardam – e trabalham remotamente. Afinal, dos principais clubes do futebol nacional, apenas Grêmio e Internacional colocaram seus jogadores em campo para treinos, e ainda assim como uma série de restrições.
Já os técnicos vêm atuando no planejamento de um futuro, hoje, imprevisível, e se resguardam. É o caso de Geninho, que faz reuniões virtuais com dirigentes e membros de sua comissão no Vitória enquanto segue as medidas de isolamento social na sua residência em Santos. Além disso, prepara vídeos com instruções táticas para serem passadas aos jogadores.
“Vão precisar do treinador em campo quando estiver muito próximo da volta, com a realização de trabalhos coletivos. Será na hora que for reunir todo mundo, perto dos jogos”, prevê, apontando que não há necessidade se expor no início dos trabalhos, concentrados nos preparadores físicos, fisiologistas e fisioterapeutas.
Também componente do grupo de risco, por ter 67 anos, Luxemburgo destaca que a preocupação deveria estar longe de ser apenas com os idosos. “Têm morrido bebês, jovens, pessoas fortes que fazem musculação, têm morrido todo mundo. Pessoal de risco somos todos. O vírus não está aliviando ninguém. Um jovem com doença pré-existente é grupo de risco. não pode estar preocupado só com a gente (de mais de 60 anos). Hoje todo mundo tem de estar preocupado, porque todo mundo pode ser contaminado pelo vírus”, alerta o treinador do Palmeiras.
Mas, ainda que temerosos com um cenário inédito, os técnicos torcem pelo retorno em breve do futebol, saudosos da rotina enquanto passam por esse período de reclusão. “Vai voltar todo mundo com o pé atrás”, admite Geninho. “Estou nesse meio há muito tempo, sonhei com isso, a gente sente falta da rotina, que é muito ativa”, conclui o hoje treinador do Vitória e ex-goleiro, que está envolvido com o futebol desde a década 1960.