“A presença do público é importantíssima. É muito ruim atuar para a câmera ” Mario Bortolotto, dramaturgo (Crédito:André Stefano)

Apesar da experiência, a atriz Alessandra Negrini foi tomada por uma sensação nova quando subiu ao palco do teatro Faap para encenar o monólogo “A Árvore”: vazio. Acostumada à casa cheia, foi a primeira vez em que ela se apresentou em um ambiente sem ninguém. A performance faz parte de um projeto que Alessandra definiu como uma “peça que nasceu para ser filme”. “Estávamos com tudo pronto quando a pandemia nos atingiu em cheio”, diz a atriz. Com os teatros fechados, ela decorou o texto de Silvia Gomez, juntou-se aos diretores Ester Laccava e João Wainer e criou outro espetáculo: “Não queria fazer teatro filmado, mas usar uma linguagem que trouxesse algo novo”.

A boa qualidade não impede que uma questão se apresente: mas será que isso é teatro? Ou é alguma outra coisa? “A Árvore” se tornou uma obra audiovisual híbrida, com cenário e iluminação teatral – mas produzida e editada como filme. Do ponto de vista de quem está no palco, a experiência pode ser semelhante ao teatro, apesar da ausência de público. Atores estão acostumados a isso: é assim que ocorrem os ensaios. Do ponto de vista do público, porém, assistir a uma peça virtual guarda uma relação mais próxima com o cinema ou a TV, uma vez que o palco passa a ser delimitado pelos contornos da tela. Da mesma maneira que uma “live” musical não é um show, strictu sensu, uma peça virtual também não é exatamente teatro: “videatro” talvez fosse a denominação mais correta.

O co-diretor João Wainer afirma que sua tarefa foi traduzir a linguagem da dramaturgia para o cinema. “Eu e Ester viemos de experiências diferentes e complementares ao mesmo tempo.” Apesar da exibição online, a obra segue uma lógica presencial do ponto de vista prático, ou seja, tem data e horário definido: vai ao ar aos fins de semana e tem ingresso cobrado: R$ 30 por tela. Quem preferir ver Alessandra Negrini em uma produção mais convencional pode assistir à série “Cidade Invisível”, na Netflix. Baseada em mitos brasileiros como o saci-pererê e o boto cor-de-rosa – Alessandra é a Cuca –, a produção dirigida por Carlos Saldanha vai ganhar uma segunda temporada.

Para Mario Bortolotto, fundador do grupo teatral Cemitério de Automóveis, a plataforma online se tornou “o único jeito de fazer teatro” em tempos de pandemia.

“A presença do público é importantíssima, é muito ruim atuar direto para a câmera”, afirma o dramaturgo. Duas vezes por mês, ele promove o espetáculo “Terça em Cena”, no qual quatro atores se apresentam no palco na Praça Roosevelt, em São Paulo – a transmissão pela internet é em formato de live e sem cobrança de ingresso.

Segundo Bortolotto, a única vantagem do sistema é a possibilidade de alcançar um público fora de São Paulo. “Quando voltarmos ao normal, podemos manter esse sistema híbrido, ou seja, a peça presencial e a exibição online. Tem muita gente no exterior que passou a nos acompanhar.”

Internacional

A tradicional companhia Os Satyros utiliza a pandemia para testar novos formatos e promover seu nome no exterior. O grupo vai apresentar a obra “Todos os Sonhos do Mundo” dentro do aplicativo ClubHouse, ou seja, apenas em áudio – um formato que também está longe do que entendemos como teatro. A busca por alternativas criativas, no entanto, tem sido recompensada: Os Satyros acabam de vencer o “Young-Howze Theater Awards”, premiação teatral dos EUA, com a peça “A Arte de Encarar o Medo”. Escolhida o “Melhor Espetáculo Colaborativo do Ano”, já foi vista por mais de 30 mil pessoas. Se por um lado a pandemia prejudicou o cenário artístico no Brasil, por outro abriu os palcos internacionais para essa nova forma de teatro brilhar.

PRESTÍGIO Satyros: peça virtual deu prêmio ao grupo paulista (Crédito:Divulgação)