Cada vez mais enfraquecidas, as agências reguladoras têm encontrado no meio do caminho um entrave difícil de superar. Nos últimos anos, não houve nem sequer uma única concessão na área de infraestrutura que não sofresse forte interferência do Tribunal de Contas da União (TCU). A história se repete: a cada edital de licitação encaminhado para o aval da corte, uma enxurrada de alterações é exigida para que o leilão seja autorizado e realizado – quase sempre com atraso.

Num dos últimos processos analisados para concessão de rodovias, por exemplo, o TCU determinou que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) faça 39 mudanças no edital de licitação da chamada Rodovia do Frango – trecho de 493,3 quilômetros das BR-476/153/282/480 nos Estados do Paraná e Santa Catarina. Os ajustes exigidos pelo tribunal são variados, vão de questões financeiras, como a definição de mecanismos para eventuais pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, a medidas técnicas, como parâmetros para desempenho da qualidade dos pavimentos das vias.

Quase sempre as mudanças determinadas pelo TCU causam polêmica no mercado, seja porque atrasam o processo licitatório ou porque os empresários consideram uma intromissão no trabalho das agências – criadas para atuar com autonomia e garantir regras estáveis a investidores e consumidores. O fato é que, nos últimos anos, os órgãos reguladores têm pecado pela qualidade dos projetos apresentados. O motivo, segundo especialistas, está na asfixia provocada por constantes intervenções do Executivo, contingenciamento de verbas, nomeações políticas e quadros incompletos de diretoria.

Nesse ambiente, a atuação mais firme do tribunal tem sido vista como um caminho natural. “O TCU está ocupando um vácuo técnico deixado pelas agências, que não estão exercendo seu papel”, afirma o professor da Fundação Dom Cabral Paulo Resende. De acordo com a Constituição, a competência do tribunal de contas é fiscalizar o uso do dinheiro público. Mas algumas vezes ele vai além.

Competência

“Às vezes, ele atua de forma ponderada. Outras, ele extrapola e entra

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na questão regulatória. Na verdade, o TCU está descobrindo a própria competência”, avalia o professor da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Sérgio Guerra. Na avaliação dele, são as agências que têm permitido esse avanço do tribunal nas suas atribuições. “Elas foram desenhadas para serem o braço forte do Estado e dirigidas por técnicos que conhecem o mercado, não por governo de coalizão.”

Na lista de interferências que causaram polêmica no mercado estão a atuação do TCU na fixação do preço para uso de radiofrequência e a posição sobre a prorrogação de contratos de arrendamento na área de portos, afirma o professor do Departamento de Direito Público da Universidade de São Paulo (USP) Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto. Ele conta que o impacto do controle do TCU sobre as agências reguladoras virou tema de um trabalho que está sendo tocado pelo Observatório do Controle da Administração Pública, grupo regular de extensão da faculdade de direito.

Um dos primeiros resultados do trabalho, que só será concluído ao final deste ano, é que as agências não têm resistido às recomendações do TCU. A experiência dos últimos anos mostra que os reguladores quase sempre acatam as observações. O presidente da Associação Brasileira de Terminais Portuários (ABTP), Wilen Manteli, reclama, por exemplo, dos novos contratos de arrendamento de terminais portuários, em que uma cláusula dá ao poder concedente o direito de rescindir o contrato a qualquer momento.

Insegurança

“Quem vai investir com essa insegurança. A minuta do edital saiu da agência, mas a determinação para essa regra é do TCU”, diz o executivo. Segundo ele, os editais para a licitação nos Portos de Santos (SP), Santarém e Vila do Conde (PA) ficaram mais de dois anos travados por causa das recomendações do tribunal.

Para o ex-diretor da ANTT Bernardo Figueiredo, hoje consultor na área de infraestrutura, uma das explicações para o avanço do TCU está na má qualidade técnica dos projetos. “O preço de uma obra contratada com um projeto ruim pode ser 50% maior ou 50% menor. Isso abre espaço para o tribunal atuar”, diz ele, que na época em que comandou a agência reguladora travou grandes discussões com a corte por causa das concessões rodoviárias.

Ele conta que, quando estava na ANTT, boa parte do que o TCU levantava de fato era um problema. “As concessões de 2007 tinham várias imperfeições; as de 2008 já apresentaram avanços; e as últimas melhoraram ainda mais. Isso tudo exige uma longa caminhada. Não é simples e exige uma estrutura que às vezes não existe.”

TCU

O Tribunal de Contas da União (TCU) não concorda que esteja ocupando o vácuo deixado pelas agências reguladoras. “É atribuição do TCU auditar os estudos de viabilidade técnica e econômica e os editais elaborados pelas agências”, afirmou o tribunal em nota. Além disso, afirma que determina mudanças nos processos apenas quando detecta erros de cálculos no processo. “Determinamos que o problema seja corrigido, mas não dizemos de que forma fazer.”

Um dos principais riscos do avanço TCU é enfraquecer ainda mais o papel das agências como fiscalizadoras. “Isso é ruim pois as agências foram feitas para implementar as regras e fiscalizar os serviços públicos”, afirma o professor da Fundação Dom Cabral Paulo Resende.


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