O Tribunal de Contas da União (TCU) julgou irregular a renovação antecipada de contratos do Grupo Libra para operar em três terminais no Porto de Santos por mais 20 anos, assinada com a Companhia das Docas do Estado de São Paulo (Codesp), em 2015, mesmo com a União cobrando dívida de R$ 2 bilhões. O tribunal determinou que o Ministério dos Transportes anule os contratos em até 15 dias e adote providências para promover uma nova licitação. Mas o tribunal permitiu que, para não haver prejuízo à atividade do setor portuário, o Grupo Libra mantenha a sua atuação nos três terminais até maio de 2020, quando a futura vencedora da licitação deverá assumir a operação.

A proposta da relatora, Ana Arraes, foi acolhida por todos os ministros e prevê também a recomendação para que, quando houve nova licitação, ela seja feita com os três terminais em conjunto, e não separadamente. O tribunal decidiu que a unidade técnica deve apurar, também, as responsabilidades de agentes que participaram da renovação antecipada dos contratos.

Um dos principais doadores em campanhas eleitorais do presidente Michel Temer, o Grupo Libra obteve a renovação de contratos de concessão de três terminais portuários em 2015 até 2035 após a publicação da nova Lei dos Portos. Graças a uma emenda incluída pelo então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (MDB-RJ), essa lei abriu uma brecha para empresas em dívida com a União renovarem a concessão de terminais portuários, desde que estivessem discutindo na justiça a dívida em um tipo de processo chamado arbitragem.

O tribunal, no entanto, apontou que a empresa, por estar inadimplente, não poderia renovar contrato. A única possibilidade de renovação, mesmo com dívidas, seria mediante o depósito de uma espécie de caução. Mas, nesse caso, seria necessário que a corte arbitral fixasse um valor para depósito – o que também não foi feito, já que a arbitragem só iniciou um ano depois da renovação dos contratos.

Um dos problemas apontados pelo tribunal é que a decisão da Codesp e do Grupo Libra de entrarem em um processo de arbitragem na justiça comum saiu no mesmo dia em que houve a renovação dos contratos por 20 anos, com condições econômicas mais favoráveis à empresa do que as acordadas no contrato inicial. A coincidência de que os dois fatos se deram no mesmo dia foi destacadas pelos ministros como um fato “estranho”.

“A renovação dos contratos é absolutamente refratária ao interesse público. Não houve investimentos contratados em infraestrutura pelo grupo Libra. Não houve eficácia na operação da empresa, e ela apresenta um déficit incontornável de atuação. Há um fato que clama ao bom senso: que empresa pode deixar de pagar os valores que contratou, dando ao poder concedente menos de uma gorjeta de garçom de suas operações 9% do porcentual por ela devido?”, disse o ministro Walton Alencar. “Não há interesse público nessa prorrogação. Parece sem sombra de dúvida que o decreto foi formulado para Libra”, comentou.

Ao propor a anulação da renovação, a relatora Ana Arraes acrescentou a possibilidade de a empresa seguir operando até maio de 2020, quando encerraria o último dos três contratos se não houvesse renovação, com o objetivo de não atrapalhar a operação de carga e descarga de empresas no Porto de Santos e dar tempo para a realização da nova licitação. O pedido da área técnica do tribunal e do Ministério Público junto ao TCU era de anulação imediata.

A empresa está, no momento, livre do pagamento da dívida de mais de R$ 2,7 bilhões porque está em meio à negociação sobre os pagamentos em um processo de arbitragem. Na disputa na justiça entre a Codesp e o Grupo Libra, um acusa o outro de descumprir o acordado nos contratos. A Codesp diz que a empresa deve R$ 2 bilhões. A empresa diz que teve prejuízos porque a Codesp não retirou uma linha férrea e atrasou anos para realizar a dragagem de uma área do terminal 35 do Porto de Santos – e por isso diz que é a companhia que lhe deve.

Compartilhamento

O plenário do TCU deu o aval para que a unidade técnica peça a Supremo o compartilhamento de informações obtidas nessa investigação criminal, para análise quanto às responsabilidades de gestores.

Os três contratos, que expirariam em 2015, 2018 e 2020, foram renovados em 2015 com aprovação da Secretaria Especial de Portos, que era comandada pelo então deputado federal licenciado Edinho Araújo (PMDB-SP), aliado de Michel Temer. Edinho Araújo foi também alvo da Operação Skala, mas não foi preso. Ele foi intimado a depor para “esclarecer os motivos que levaram a renovar contrato de concessão do Grupo Libra, mesmo com dívidas de aproximadamente R$ 1 bilhão”.

O Grupo Libra foi um dos principais doadores do presidente Michel Temer nas eleições de 2014. Dois sócios doaram R$ 1 milhão para uma conta que Temer abriu para receber doações eleitorais. Quatro sócios foram alvo da Operação Skala, em 29 de março, parte das investigações no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a atuação do presidente Michel Temer no Porto de Santos.

Em abril, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, ao enviar parecer pela anulação de contratos do Grupo Libra, destacou ilegalidades e possíveis prejuízos aos cofres públicos, afirmando que a empresa “atuou, com a conivência do poder público, de modo a inverter a lógica da lei”. “O poder concedente se despiu de todas as suas prerrogativas e responsabilidades para atender de modo servil aos interesses da arrendatária”, disse o procurador do MP de Contas Júlio Marcelo Oliveira.