Taxa zero do etanol importado tem pouco impacto, mas indústria do Brasil protesta

Taxa zero do etanol importado tem pouco impacto, mas indústria do Brasil protesta

Por Roberto Samora

SÃO PAULO (Reuters) – A isenção de tarifa de importação anunciada na véspera pelo governo brasileiro para etanol, açúcar e óleo de soja é avaliada neste primeiro momento como inócua para negócios e teria motivações mais políticas, com o Brasil buscando alternativas para uma alta nos preços das commodities e efeitos da guerra na Ucrânia, segundo analistas.

Mas associações de indústrias locais atingidas pela medida, inclusive a do café torrado e moído, protestaram contra o movimento do governo. Representantes do setor de óleo de soja destacaram que os preços das commodities são globais, e que a produção brasileira vai crescer este ano com aumento do processamento, apesar da quebra de safra.

No caso do etanol importado, o cálculo da arbitragem, mesmo com tarifa zero, indica que o produto importado ainda chegaria 8% a 10% acima do preço doméstico. E a entrada da safra de cana do centro-sul em abril tende a pressionar as cotações no país, limitando ainda mais qualquer janela para compras externas.

“Estamos às vésperas do início da nova safra, em que o preço vai cair, a nossa estimativa é que a arbitragem fique fechada mesmo com tarifa zero”, afirmou à Reuters o presidente da Datagro, Plinio Nastari, acrescentando que o etanol já é mais competitivo que a gasolina nos principais Estados produtores do Brasil.

No anúncio da isenção da tarifa, o secretário de Comércio Exterior, Lucas Ferraz, disse que estimativas apontam que a redução de 18% a zero da tarifa do etanol poderia reduzir em 20 centavos o preço do litro da gasolina na bomba.

Mas Nastari apontou ainda outras dificuldades para efetivação de negócios, como fatores sazonais nos Estados Unidos, o país que teria etanol para exportar ao Brasil.

“Tem o início da demanda de verão nos Estados Unidos, aumenta o consumo de gasolina e os preços sobem, com o aumento da gasolina, o preço do etanol também sobe. Além do efeito da guerra da Ucrânia (nos preços de combustíveis), tem um fator sazonal que é o período de verão dos EUA”, acrescentou Nastari.

O analista Júlio Maria Borges, da JOB, concorda. Segundo ele, o etanol dos EUA “está caro”. “O imposto zerado não deve ter efeito no curto prazo”, disse ele, ressaltando que a janela de importação está fechada.

Para Nastari, da Datagro, a tendência é que a competitividade do etanol brasileiro frente à gasolina aumente nas próximas semanas, com queda do preço ao produtor, com a chegada da safra.

“Aí a gente tem que contar que essa queda seja transmitida ao consumidores”, afirmou.

Sobre impacto da isenção de tarifa para importação de açúcar, o analista disse que a medida também não deve ter efeitos práticos, uma vez que o Brasil, maior exportador global, é o país com menor custo do mundo.

O Fórum Nacional Sucroenergético, que representa a agroindústria produtora de etanol e açúcar em 15 Estados, disse que sua defesa do livre mercado é “constante”, mas se mostra contrário à isenção da tarifa do etanol “sem que haja a devida contrapartida para nossas exportações de açúcar, cuja importação é fortemente taxada pelos americanos”.

Segundo o fórum, a entrada de produto estrangeiro poderia afetar o planejamento das unidades de produção no início da safra.

ÓLEO DE SOJA

O governo ainda zerou a taxa para café moído (de alíquota de 9%), margarina (10,8%), queijo (28%), macarrão (14,4%), açúcar (16%) e óleo de soja (9%), uma vez que considera que esses itens estão entre os componentes que mais pesam no INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor).

No caso do óleo de soja, o impacto da tarifa zero para impulsionar importações parece ser “muito pequeno”, disse o analista da Safras & Mercado, Luiz Fernando Roque.

Ele avaliou que não há um problema de oferta –embora os preços do óleo de soja estejam mais altos–, porque o Brasil está adotando uma mistura menor de biodiesel.

“Já tem demanda menor por óleo e pode até diminuir exportação de óleo, se necessário. Não acredito que essa abertura vai trazer grande importação de óleo”, disse ele, lembrando que a Argentina, maior exportadora global, já negocia ao Brasil com tarifa zero por ser parceira do Mercosul.

Ele disse que eventuais compras dos EUA dependeriam também de a conta fechar.

“Acho que é medida mais política, porque o preço do óleo está subindo muito… no farelo, uma redução da taxa seria mais interessante”, acrescentou.

Durante evento da Safras & Mercado nesta terça-feira, Roque lembrou que a oferta de soja deverá terminar o ano em níveis historicamente baixos no Brasil, o que poderia até eventualmente resultar em importações do grão norte-americano, visto que a colheita também quebrou em função do clima na Argentina e Paraguai.

Mas esse movimento ocorreria em um segundo momento, não agora durante o processo de colheita no Brasil.

Segundo a Abiove, que representa a indústria de soja, a decisão do governo visa gerar uma possível redução do preço para o consumidor. Mas “não há falta de óleo de soja no mercado interno e os preços estão alinhados com a paridade internacional”. A associação mencionou ainda que a produção de óleo de soja deve atingir 9,7 milhões de toneladas, volume superior ao registrado no ciclo anterior.

Já a indústria de café –produto que o Brasil é líder global na produção e exportação– avaliou a medida como “preocupante”, segundo comentário do diretor-executivo da Abic, Celírio Inácio. Ele disse que é preciso cuidado para que o princípio da isonomia comercial não seja desalinhado, uma vez que o setor local continuará pagando seus tributos.

(Por Roberto Samora)

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