A reunião convocada pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), com empresários e o representante da embaixada dos Estados Unidos no Brasil não deve alavancar as negociações para a redução da taxação imposta por Donald Trump. Essa é a avaliação de especialistas ouvidos pela ISTOÉ, que apontaram a falta de jurisdição de Tarcísio no conflito.
O chefe do Palácio dos Bandeirantes realizou o encontro na terça-feira, 15, mesmo horário em que o vice-presidente Geraldo Alckmin reunia a cúpula da indústria em Brasília. O encontro, no entanto, ficou parcialmente esvaziado, com os representantes de entidades empresariais preferindo debater o tema com o Palácio do Planalto.
A estratégia de Tarcísio com o encontro era reverter a imagem negativa deixada após apoiar o discurso bolsonarista de que a culpa era do tarifaço era do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Após ser cobrado pelo setor empresarial, o governador mudou seu discurso e passou a articular alternativas para minimizar os efeitos da taxação.
O ex-embaixador do Brasil em Washington Rubens Barbosa afirma que Tarcísio não tem jurisdição sobre o tema e que as negociações devem ser articuladas apenas pelo Itamaraty. Ele avalia que o encontro no Bandeirantes serviu apenas para defender alternativas para as empresas paulistas.
“Ele não tem ligação, não tem competência, no sentido formal, não tem jurisdição para atuar no exterior. Isso é coisa do governo federal”, afirma Barbosa.
“A minha impressão é que ele tentou mobilizar as empresas de São Paulo, que vão ficar afetadas, para pedir a elas que interfiram com a contraparte americana, com as empresas americanas, para quem elas vendem, para interferir lá junto ao governo americano”, completa.
Mesma opinião compartilha Clayton Pegoraro, professor de Direito Internacional da Universidade Presbiteriana Mackenzie, que defendeu a negociação limitada apenas aos acordos em que o estado tem com empresas norte-americanas. Pegoraro reforçou que Tarcísio tem autonomia para usar o tema para discurso político, mas deve ficar de fora do debate econômico.
“Legitimidade jurídica, nenhuma. Quem tem legitimidade para manter relação com outros países é o presidente da República. Ele pode ter uma legitimidade política para expor o governo federal, mas ele não pode negociar em nome do Brasil”, explica.
Ele avalia que a interferência do governador paulista pode avançar fases da negociação do governo federal. O professor reforça que os Estados Unidos devem respeitar a soberania do Planalto e negociar o tema diretamente com a presidência da República.
“Eu não digo atrapalhar, mas ele pode estar adiantando alguma fase. Não vejo problema em defender o estado de São Paulo, que ele representa, mas não pode assinar nada relacionado ao tema. E detalhe, os Estados Unidos sabem disso e sabem com quem eles têm que negociar”, reforça.
Tarcísio tem imagem arranhada após defender tarifa
Tarcísio de Freitas tenta costurar uma nova imagem após a crise da taxação. Após o anúncio de Trump, o governador paulista endossou o discurso dos bolsonaristas e deixou de lado o discurso estadista.
Na avaliação de pessoas próximas a Tarcísio, houve um erro de estratégia e, agora, o chefe do Bandeirantes terá que remar contra a maré para evitar um desgaste maior às vésperas das eleições de 2026. O governador é cotado para assumir o espólio do bolsonarismo na disputa pelo Palácio do Planalto no próximo ano.
O cientista político Paulo Ramirez afirma que a decisão de Tarcísio de Freitas de alavancar o discurso bolsonarista nas redes sociais deve ter impactos significativos para o próximo pleito. Para Ramirez, o governador ainda terá que batalhar para reverter o desgaste com o setor empresarial, que sustenta massivamente o eleitorado do comandante paulista.
“Houve um erro estratégico: Tarcísio surfou no discurso bolsonarista contra Lula e o Judiciário, mas a cobrança por pragmatismo econômico o forçou a recuar. Agora, ele perde apoio dos bolsonaristas e parte do empresariado, enfraquecendo sua imagem tanto para 2026 quanto para a reeleição em SP”, avalia.
“O zigue-zague de Tarcísio custou caro. Desgastou sua imagem com a base ideológica e com quem exige postura pró-Estado. Para a população, o recado é que os interesses nacionais devem vir acima de chantagens políticas”, completa Ramirez.
O especialista reforça a falta de leitura de Tarcísio para analisar o jogo político e vê a necessidade do governador segurar os discursos de apoio em prol do PL da Anistia. A cúpula bolsonarista tem condicionado o fim da taxação ao avanço do projeto na Câmara dos Deputados. Em discursos, o governador já declarou apoio à medida e chegou a prometer o indulto ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) caso assuma a presidência.
“Silêncio ou recuo: ambas as opções eram ruins para Tarcísio. O estrago já está feito – sua associação ao bolsonarismo radical manchou sua imagem perante o eleitorado e até aliados do Centrão. Falta a ele a ‘virtude maquiavélica’ de ler o jogo político”, reforça.
“Ao vincular-se a um projeto que atacou a democracia, Tarcísio enterrou qualquer discurso de estadista. Nas eleições, pagará o preço por priorizar o bolsonarismo em vez dos interesses nacionais”, ressalta.