Menos de duas décadas separam os sonhos de um estudante de design gráfico, morador de São Mateus, extremo leste de São Paulo, do cotidiano agitado do diretor de uma das agências de design e branding de maior evidência hoje no cenário nova-iorquino, a Porto Rocha. “Minha vinda para cá aconteceu de forma não planejada. Acabei ficando por conta das oportunidades que surgiram, além das pessoas incríveis que conheci”, conta Felipe Rocha, um de seus sócios-fundadores, ao lado do marido, Leonardo Porto.

Com um portfólio referendado por marcas como Apple, Nike, Netflix, Spotify, W Hotels, Sundance Film Festival, para citar apenas algumas, e já aclamada pela D&AD – uma das organizações educacionais britânicas de maior prestígio junto à indústria de comunicação internacional -, como a melhor agência independente de design do mundo, em 2022, citações elogiosas não são propriamente uma novidade no currículo da Porto Rocha. Nem tampouco distinções internacionais de peso, como os prêmios Type Directors Club, Latin American Awards e AIGA 50 Covers. Os designers são responsáveis, por exemplo, pela imagem corporativa da criptomoeda Solana, da Coinbase.

Como tudo isso aconteceu, em tão curto espaço de tempo, e em um mercado tão competitivo, é uma questão que a dupla se coloca. “No fundo, não acreditamos que exista uma única resposta, mas um conjunto de fatores que acabaram por nos diferenciar. Eu e o Leo somos designers, não temos nenhuma formação em administração. Todas as decisões que tomamos no estúdio são orientadas pelo nosso olhar enquanto designers”, considera Rocha.

Viés estratégico

Soma-se a isso, segundo ele, uma indústria que se divide entre estúdios pequenos, mas com um olhar mais atencioso, e consultorias de grande porte, com viés mais estratégico, que trabalham com clientes maiores, mas que negligenciam certos cuidados. “É raro encontrar estúdios na intersecção desses dois mundos, e é nesse lugar que nos posicionamos. Fazemos trabalhos que têm escala e impacto grande, mas não descuidamos dos detalhes”, diz.

Por fim, Leo sugere que a construção de uma marca é uma disciplina em constante mutação e que, hoje, as mais admiradas são aquelas que conseguem se adaptar e se conectar com a cultura ao redor. “Para criar uma marca relevante é importante estar conectado com o que está acontecendo no mundo. Trabalhar com pessoas de diferentes backgrounds”, diz ele, destacando a composição multicultural de sua equipe de trabalho.

Leonardo Porto conta que, atualmente, no escritório no Brooklin, o time da Porto Rocha soma 21 pessoas, entre designers, estrategistas e gerentes. É uma equipe internacional, com pessoas de diversas culturas e países. “Sob esse ponto de vista, devo admitir que estar em Nova York faz muito sentido, já que estamos expostos à multidiversidade. Tanto em relação às diferentes culturas quanto às pessoas com quem nos relacionamos.”

Formado em desenho industrial, Felipe Rocha trabalhou por alguns anos com publicidade no Brasil. Até que conquistou uma bolsa de estudos na célebre Fabrica, centro de pesquisa em comunicação mantido pela Benetton, em Treviso, na Itália – e lá viveu por um ano. A mudança para Nova York só ocorreu em 2015, com uma oportunidade de trabalho no estúdio Sagmeister & Walsh, onde ficou dois anos até se transferir para a Spotify e dirigir vários projetos para artistas como Cardi B, J Balvin e Dua Lipa.

Nesse meio tempo, Leo já vivia na cidade, para onde havia se mudado aos 18 anos, para estudar publicidade. Pouco depois, insatisfeito, transferiu-se para a área de design gráfico, atuando com estúdios e agências nova-iorquinas de peso – como a Pentagram e a cultuada Collins, onde foi diretor por quase cinco anos. A parceria com Felipe começou em 2016, numa campanha para a Melissa brasileira.

A identidade visual do Yaga – festival de música que reuniu artistas de vanguarda em São Paulo, em 2018 – e, pouco depois, a Samba, publicação fotográfica com foco na cena queer brasileira, foram trabalhos bem-sucedidos. Outras oportunidades surgiram, obrigando a dupla a optar pela continuidade de suas carreiras solo ou pela abertura de negócio próprio. Nascia assim, em agosto de 2019, a Porto Rocha, tendo como foco a criação (e a evolução) de marcas.

Olhar global

“O que nos deixa mais realizados é trabalhar para indústrias completamente diferentes. De pequenas instituições a gigantes da tecnologia. Penso que também somos bastante atraentes para clientes brasileiros que querem se comunicar de forma local, mas com um olhar global”, explica Leo, citando os recentes projetos de reposicionamento de marca feitos para as brasileiras QuintoAndar e Olympikus. Assim como as identidades criadas para a Vevo, líder global na distribuição de videoclipes, e para a Be True, a plataforma LGBT da Nike.

Apesar de estarem longe fisicamente, Felipe e Leo se sentem ainda conectados à cultura nacional. E apontam como exemplo a identidade criada pela agência para o Museu Nacional de Brasília. “Além de sermos inspirados pela criatividade brasileira, também nos inspiramos muito na resiliência, pelo poder de inovação dos brasileiros”, afirma Felipe.

Promotores informais da cultura do País em terras americanas, partiu dos dois a ideia de realizar um encontro de designers brasileiros em Nova York. “A gente suspeitava que havia muitos, mas que faltava algo para conectá-los”, lembra Felipe. Assim, surgiu o Bonde, inicialmente pensado como um happy hour, mas que acabou se convertendo em um ciclo de palestras com nomes de destaque da cena nacional.

A primeira edição do evento reuniu, no mês passado, nomes como Marina Willer, Jonathas de Andrade, Marcelo Rosenbaum e Pedro Sanches. “Ficamos felizes com a qualidade dos profissionais que conseguimos atrair”, afirma Leo, que já pensa numa segunda edição. “Ainda vai acontecer, só é uma questão de tempo. Quem sabe no Brasil?”, adianta.

Ameaça climática e diversidade

Diante da ameaça climática global, a sustentabilidade, segundo Felipe, passou a ocupar posição central nos projetos do estúdio. “No campo do design gráfico, devemos ir muito além de imprimir em papel reciclado. Devemos pensar em cada ação do dia a dia”, diz ele, salientando que a Porto Rocha não espera trabalhar só com empresas 100% sustentáveis. “Pelo contrário. O maior potencial está em clientes que precisam se reinventar. Ser versões melhores de si mesmos”, diz.

A diversidade é outra questão a demandar respostas urgentes, mais ainda com a emergência de movimentos como Black Lives Matter e Me Too. “Acredito que, como comunicadores, temos um papel importante na promoção da diversidade nas nossas escolhas, desde a montagem do casting de uma campanha até a contratação de pessoas”, diz Felipe.

Por tudo isso, a dupla vê na Porto Rocha uma oportunidade de fazer as coisas de um jeito diferente. “É possível, sim, um estúdio em Nova York com reputação e impacto globais, que teve como fundadores dois homens, gays e imigrantes brasileiros, influenciar as gerações de designers ainda por vir”, conclui Leo.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.