Embora grande parte da sociedade ainda não tenha caído em si, a crise que enfrentamos hoje cabe perfeitamente na prateleira das piores em nossa história. Para não dizer a pior delas. Assim, só nos resta constatar o óbvio: o próximo governo enfrentará enormes dificuldades para domar — esta sim — uma autêntica herança maldita deixada por Dilma Rousseff. Exatamente como aconteceria a qualquer outro grupo que tivesse sido eleito.

Entretanto, também é justo pontuar que Jair Bolsonaro, sua prole e núcleo duro de campanha não podem lançar mão da ignorância como argumento para possíveis deslizes ou até mesmo fracassos.

Muito pelo contrário, quando era candidato, o hoje presidente eleito cansou de vender a própria imagem como a de um salvador da pátria. De alguém que colocaria em prática uma maneira diferente de fazer política, incluindo a externa.

Nas vezes em que foi questionado sobre suas propostas para enfrentar os desafios na seara econômica, Bolsonaro abusou dos gracejos sobre o “Posto Ipiranga”, em alusão a Paulo Guedes. Bem, ao menos até desautorizar o futuro ministro da Fazenda, que literalmente sumiu da campanha a partir de então.

Pois agora é que são elas. E os indícios da busca por muletas que inebriem a capacidade crítica do cidadão, de todo modo já prejudicada pela dicotomia entre petismo e antipetismo, começam a ganhar vulto.

Não pode ser confundida com algo que não seja uma muleta a declaração de Eduardo Boslonaro “se for necessário prender 100 mil, qual é o problema?”, no contexto de tipificar como terrorismo os atos do MST, a criminalização do comunismo ou o projeto Escola Sem Partido.

Idem para o rescaldo do debate sobre os médicos cubanos, a extradição de Cesare Battisti, os infelizes comentários de Onyx Lorenzoni a respeito da Venezuela e o perfil do futuro ministro das Relações Exteriores, dadas as suas avaliações sobre o presidente americano Donald Trump, ataques ao que ele chama de “globalização econômica” e afirmações como “a fé em Cristo significa lutar contra o globalismo”.

A impressão que o futuro governo passa é a de que, assim como fez o PT, não hesitará em inflar o divisionismo na sociedade para turvar a constatação das suas fraquezas.

Seria irônico que o modus operandi petista sobrevivesse justamente sob a batuta de quem se vendeu como sendo a sua antítese. Mas parece ser justamente isso o que está acontecendo.

“Seria irônico que o modus operandi petista sobrevivesse justamente sob a batuta de quem se vendeu como sendo a sua antítese.”