23/03/2017 - 9:20
Lust For Life tinha 19 anos quando foi escolhida para acompanhar a fuga de Mark Renton, interpretado por um jovem Ewan McGregor, e seus amigos junkies. Bateria crua, cheia daquela sujeira, acompanhava cada passo apressado da trupe pelas ruas de Edimburgo, enquanto a voz de McGregor narrava, ao espectador, tudo aquilo que ele precisava saber sobre a geração à qual ele e seus colegas pertenciam. Viciados em heroína, filhos de um Reino Unido já livre de guerras e crises, eram párias da segunda metade dos anos 1990. Tal qual o próprio Iggy Pop, durante seu início de carreira solo, lá na década de 1970 – coloque até o vício em heroína como algo em comum entre as duas gerações. Trainspotting, o primeiro, traçava o paralelo entre a Nova York de Iggy Pop, Lou Reed, imunda e onde nascia o punk, com a igualmente suja Edimburgo.
A trilha sonora fazia parte da narrativa do diretor Danny Boyle. Cuidadoso esteticamente, ele reviveu ídolos esquecidos, como Pop e Reed, sacudiu a poeira em nomes dos anos 1980, a soturna Underworld e New Order, por exemplo, e apresentou a nova safra de pop, com Primal Scream, Blur e Pulp. O ontem, hoje e amanhã da música britânica, num filme sobre quatro viciados em heroína sem nenhuma perspectiva – sem passado, presente e futuro.
Tal era a importância da trilha sonora no primeiro Trainspotting, que a ausência de impacto causado pela escolha das canções no segundo, agora em cartaz no Brasil, frustra. Não é para tanto. T2 – Trainspotting não é, em termos de narrativa, igual ao primeiro longa. A trama não se constrói através da história contada por Renton. Portanto, ela também tem outro efeito.
As canções escolhidas para acompanhar o retorno de Renton, 21 anos depois, a Edimburgo e à vida dos três amigos deixados para trás, é estética. A bateria de Iggy encontra uma clone na Shotgun Mouthwash, do High Contrast. A climática Perfect Day, de Lou Reed, se torna Silk, da novíssima Wolf Alice. E Lust For Life? Ela não passa de uma lembrança da qual Renton tenta fugir. Arde, machuca e vicia. E, invariavelmente, ele precisará encará-la novamente.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.