A diretora e dramaturga Susanne Kennedy provocou um distúrbio na cena teatral berlinense em novembro de 2017, quando entrou como diretora do Volksbühne Theater depois de quase 30 anos de reinado do diretor Frank Castorf. Até ela assumir a instituição, que é estatal, vigorava nela a tradição já secular do estilo de Bertolt Brecht: peças críticas, engajadas e montadas com esmero cenográfico e de iluminação, e as técnicas de distanciamento que Brecht lançou nos anos 1920. Era a essência da velha Berlim Oriental que se manteve intacta desde a República de Weimar (1918-1933), atravessou o nazismo (19323-1945), o Muro de Berlim (1961-1989) e a Virada (die Wende: 1989-1990 até por volta 2001). Mas não resistiu às novas ondas pop e às gerações mais jovens, crescidas na cultura pop planetária. A essência não resistiu, enfim, a Susanne Kennedy.

Susane em workshop

“O sistema do teatro estatal de Berlim está esclerosado”, diz ela à ISTOÉ em São Paulo, onde participa de um programa de residência artística mantido pelo Instituto Goethe. Ao longo de duas semanas, ela coordenou uma oficina com jovens atores profissionais, com os quais pôde pôr em ação o seu modo de fazer teatro (ela não gosta da palavra “método”). O “espetáculo-workshop” que ela dirigiu não tem título. “É apenas uma experiência, sem nome”, afirma. “Nomes não são importantes para o teatro. O que importa é a ação, o corpo, o modo como a representação atinge o público e provoca surpresa.”

Ela pratica uma desmontagem das estruturas do teatro de Berlim e diz que quer se livrar de conceitos e de procedimentos consagrados que já cumpriram o seu papel no mundo.  “Os velhos teatros de vanguarda produzem peças como se fossem fábricas e os textos, produtos facilmente reprodutíveis”, diz. “O problema do teatro contemporâneo é se basear em ideias preconcebidas que transformaram o teatro em uma arte previsível e burocrática. Eu quero fazer o inverso. A começar por me libertar de conceitos que formataram e coordenaram o teatro de vanguarda por um século.”

Aos 40 anos, Susanne faz um teatro anticerebral, antibrechtiano e anti heiner-mülleriano (Heiner Müller, morto aos 66 anos em 1995, foi o grão-sacerdote do palco berlinense à frente do Berliner Ensemble, companhia e teatro fundado em 1949 por Brecht, outra instituições de Berlim Leste). “Sou mais (Antonin) Artaud que Brecht, mas Peter Brook que Heiner Müller”, tenta explicar. “O teatro político da velha Berlim não me interessa. Aliás, não consigo entender por que é preciso colocar política em tudo quanto é peça.”

Em março de 2017, ela participou da 4ª Mostra Internacional de Teatro de São Paulo (a MiTSP), quando apresentou um de seus primeiros sucessos, a peça “Por que o Sr. R. Enlouqueceu?, escrito por Michele Rolim, baseada no filme “Warum läuft Herr R. Amok”, de Rainer Maria Fassbinder, de 1970. A peça fora apresentada por Münchner Kammerspiele, centro da vanguarda teatral em Munique, onde ela trabalhou entre 2011 e 2014, depois de ter estudado dramaturgia em Amsterdã. Em Munique, dirigiu dezenas de peças, entre dramas e comédias clássicas e atuais.

A experiência em diversas praças ajudou Susanne a criar seu “jeito” de fazer teatro. Encantou-se pelos atores paulistanos e pediu para voltar em 2018, durante o quinto MiTSP. Aos alunos, ela  defende um teatro básico, essencial, e é isso que ela tem passado aos atores brasileiros: “Sejam diretos, exprimam-se, mesmo que seja em outra língua. Mas nunca se esqueçam de que há uma diretora aqui embaixo, orientando vocês. O controle é tão importante quanto a improvisação.”

Afirma que suas peças são mais diretas, físicas e não impostadas. “São diferentes do modo exagerado e retórico que os atores alemães se exprimem em palco, que deve ser parecido com o que acontece no Brasil”, afirma. “Busco um tom mais natural e direto.”

Àqueles que vaticinam a morte do teatro, Susanne sorri e dá um recado direto: “O teatro está morrendo… como sempre! Por mais que ele agonize, volta para nos ensinar o que ele tem de mais essencial: a experiência do momento da representação, algo que só o teatro pode oferecer”. Segundo ela, é saudável despir a arte teatral de tudo: cenários, figurino, palco e até falas. “O que o teatro tem de mais fundamental é o que ele provoca: a catarse, a purgação das emoções de atores e espectadores Enquanto existir catarse, o teatro ficará de pé.”