Era para esconder o jogo, não dar pistas ao adversário. O torneio regional de natação deveria ser apenas a estreia no esporte paralímpico, as primeiras braçadas de olho em um feito maior, a conquista da vaga para os Jogos Paralímpicos de Tóquio – a seletiva acontecerá neste mês. Mas a estratégia não deu certo. Gabriel Bandeira, de 20 anos, faturou logo seis medalhas de ouro e bateu quatro recordes brasileiros na classe S14 (deficiência intelectual) na etapa do Centro-Oeste realizada em fevereiro, em Brasília.

O excelente desempenho fez do jovem nadador uma das principais promessas da delegação brasileira na Paralimpíada. “É atleta para trazer três medalhas. Ele não é conhecido ainda, mas surpreendeu a todos na estreia em Brasília”, disse Alberto Martins, diretor-técnico do Comitê Paralímpico Brasileiro.

O coordenador técnico da natação paralímpica, Leonardo Tomasello, também se mostrou entusiasmado com o novo atleta. “Tem potencial para ser multimedalhista. Tem todas as características, é jovem, nada muitas provas. Vinha nadando no convencional e agora pode evoluir mais ainda. Mas natação é na hora, lado a lado.”

Nascido em Indaiatuba, no interior de São Paulo, Gabriel começou a nadar com 10 anos de idade. Logo passou a fazer parte da equipe da cidade e, com 16 anos, se mudou para Belo Horizonte para defender o Minas Tênis, que tinha nadadores da elite nacional como Bruno Fratus e Kaio Márcio. Até então nadava no esporte convencional, com uma vida independente.

Gabriel foi criado pela avó Carmen. Sua mãe tinha 16 anos quando ele nasceu. “Ela era muito novinha e o relacionamento com o pai não foi adiante. Uns ano depois, ela conheceu outra pessoa, casou e o Gabriel não quis mudar. Quis ficar comigo”, conta Carmen. Na infância, o garoto teve dificuldade na escola na alfabetização. A avó o colocou em aulas de reforço, procurou psicólogos, realizou exames, mas achavam que ele tinha só déficit de atenção.

Gabriel repetiu quatro vezes de ano na escola e chegou a largar os estudos – terminou o Ensino Médio com aulas à distância. Na natação também tinha dificuldades para entender as aulas. “Não consigo prestar muita atenção, ficar muito quieto. Para memorizar algumas coisas também é difícil”, comentou.

O técnico da natação em Indaiatuba, Luiz Antonio Candido, o Maceió, sugeriu para avó que ele fizesse um teste de QI. A cidade no interior paulista é uma das potências paralímpicas na natação. Carmen e Gabriel rejeitaram de início a ideia. “Foi bem quando ele recebeu o convite para nadar pelo Minas. Ele teve o último ano no juvenil muito bom”, lembrou Carmen.

Gabriel morou oito meses no alojamento do clube mineiro e depois Carmen conseguiu transferência no banco em que trabalhava e foi morar em Minas Gerais. Viveram três anos em Belo Horizonte. No ano passado, o garoto disputou o Troféu Maria Lenk, conseguiu ir para uma final B e o técnico lá do Indaiatuba, o Maceió voltou a sugerir o teste. “Ele veio me dizer que os tempos do Gabriel no convencional eram para brigar por medalha no paraolímpico”, comentou Carmen.

Desta vez eles aceitaram, mas sem muita confiança. “Achava que não ia dar nada. Só que o nível intelectual dele é abaixo. A autonomia social é boa, mas o intelectual não. Nos surpreendeu muito”, disse a avó.

Como o Minas não possui natação paralímpica, Gabriel se mudou no início deste ano para o Praia Clube, em Uberlândia. Em janeiro, passou uma semana no Centro de Treinamento do Comitê Paralímpico Brasileiro para ser classificado e entrou para a S14. A entidade internacional da natação aprovou a documentação. Ele já possui o número de registro internacional.

Para poder brigar por uma vaga no paradesporto falta agora obter o aval do Comitê Internacional Paralímpico (IPC, na sigla em inglês). Essa última fase acontecerá dias antes da disputa do Open de Natação, que acontecerá no final de março. “É praxe do IPC fazer a avaliação um, dois dias antes da competição. Mas não deve ter problema. Nunca vi o IPC negar”, disse Tomasello.

A expectativa de Gabriel é disputar seis provas nos Jogos de Tóquio: 100m livre, 200m livre, 100m costas, 100m peito, 100m borboleta e 200m medley. “O forte dele é o nado borboleta e o costas”, comentou Tomasello.

Para o nadador de 20 anos o importante é estar no Japão. “Espero ir e lá brigar por medalhas”. O plano inicial é competir três provas na seletiva de março e outras três na última seletiva, que acontecerá em abril. Mas os planos nem sempre correm como o planejado.