30/08/2021 - 14:02
Mais de 120 anos atrás, um homem negro foi acusado de estuprar uma mulher branca na cidade americana de Decatur, Illinois. Antes que Samuel Bush pudesse ser julgado, porém, ele foi retirado à força de uma prisão local por uma multidão enfurecida, que o espancou e o prendeu a um poste telefônico.
Agora, várias iniciativas buscam relembrar esse linchamento brutal e milhares de outros semelhantes.
“Aprendemos com os erros do passado para que isso não volte a acontecer”, diz Rich Hansen, um professor de história do ensino médio que está fazendo uma campanha para dedicar um memorial a Bush nessa cidade do centro-oeste dos Estados Unidos.
“Se nós, como nação, vamos superar essa divisão racial, devemos primeiro ser educados sobre o que aconteceu e compreender por que aconteceu”, explica ele à AFP.
Um ano depois que o assassinato de George Floyd desencadeou uma onda nacional de grandes protestos contra o racismo, ativistas estão organizando uma campanha para honrar a memória de milhares de pessoas negras que foram linchadas em todo o país desde o fim da Guerra Civil Americana até o fim da Segunda Guerra Mundial.
Mas à medida que os Estados Unidos lançam mais luz sobre seu passado racista e escravagista, essas campanhas se deparam com obstáculos.
– “Uma época horrível em nosso passado” –
A Iniciativa pela Justiça Igualitária, um grupo com sede em Montgomery, Alabama, documentou mais de 4.400 vítimas de linchamento em todo o país entre 1877 e 1950. Em 2018, inaugurou o Monumento Nacional pela Paz e Justiça, onde os nomes de 800 vítimas estão gravados em colunas de aço.
Os linchamentos muitas vezes eram não apenas espetáculos públicos, mas também eventos festivos com enorme adesão, imortalizados em fotografias que mais tarde eram vendidas como cartões-postais.
A Iniciativa também trabalha com as comunidades locais para coletar terra nos locais de linchamento, que são exibidas em potes de vidro com os nomes das vítimas, e para instalar placas narrativas em locais públicos onde ocorreram as agressões.
“Esta foi uma época horrível em nosso passado, mas temos que olhar para ela e aprender com ela para que nunca mais aconteça”, diz Melissa Thiel, uma historiadora que está fazendo campanha para criar um memorial para recordar outro linchamento brutal ocorrido em Sherman, Texas.
Em 1930, um trabalhador negro chamado George Hughes foi linchado após ser acusado de agredir a esposa de seu chefe branco ao tentar receber seis dólares em pagamento por seu serviço. Em seguida, comércios negros foram incendiados.
No entanto, o projeto encontrou resistência por parte do município, que, segundo Thiel, não quer reviver uma tragédia passada na cidade, que ostenta um imponente monumento de pedra à Confederação escravagista ao lado do Palácio da Justiça.
Mas a historiadora não se abala: “Estamos falando de Segunda Guerra Mundial? Estamos falando do Holocausto? Estamos falando do 11 de setembro? Essas histórias são muito difíceis e trágicas, mas tudo bem falar sobre elas”, apontou.
– “Um medo inato” –
Às vezes, a resistência pode assumir uma forma mais violenta, como em Kansas City, Missouri, que, como o Texas, era um estado confederado.
Em junho de 2020, no auge dos protestos do Black Lives Matters (Vidas Negras Importam) no ano passado, alguém vandalizou um monumento erguido dois anos antes em memória de Levi Harrington, um homem negro linchado em 1882 após ser falsamente acusado de atirar em um policial.
A placa foi posteriormente recuperada e colocada do lado de fora de um museu de história afro-americana em Kansas City.
“Isso se deve a um medo inato [dos americanos brancos] de que de alguma forma sua própria identidade que construíram como o poder do país não seja mais a verdade”, avalia a diretora executiva do museu, Carmaletta Williams. “É reconhecido em toda parte que homens brancos e o privilégio branco não garantem mais um lugar especial neste país, então eles brigam.”
Mas os linchamentos não se limitaram apenas aos estados confederados. Em Duluth, Minnesota, no extremo norte dos Estados Unidos, um memorial é dedicado a três homens negros linchados em 1920.
Avi Viswanathan, diretor de inclusão e participação comunitária na Sociedade Histórica de Minnesota, com sede em St. Paul, afirma que o fato de o monumento estar em um estado do norte que lutou contra a Confederação na Guerra Civil, e também onde Floyd, um homem negro desarmado foi morto por um policial branco no ano passado, é um lembrete do trabalho constante que precisa ser feito.
“Não queremos nos isolar das histórias do passado porque elas podem se repetir. E, como vimos com George Floyd, o racismo e a violência sistemáticos contra [os negros] ainda estão presentes”, diz Viswanathan.