06/04/2018 - 20:20
O Mundo da Fantasia andava tenso.
E olha que aquilo nunca foi um lugar muito calmo.
Lá, as diferenças são resolvidas em ponta de faca ou com maçãs envenenadas.
No Mundo da Fantasia, você não vai ver o pessoal saindo às ruas ou batendo panelas.
Quando a coisa pega, é Rainha mandando arrancar coração, Lobo comendo criancinha e o escambau.
Porco não se dá bem com Lobo, Cigarra se pega a tapa com Formiga e por aí vai.
São tantos assassinatos, vinganças, trapaças e mortes que fazem o Rio de Janeiro parecer um retiro espiritual.
Só divórcio é que não rola por lá.
Princesas em coma têm o estranho hábito de despertar ao primeiro beijo de um desconhecido. Entregam-se a qualquer príncipe que chegar a cavalo e vivem felizes para sempre, diferente dos casais daqui do mundo real, que estão sempre reclamando.
Mas isso é assunto para outro texto.
A verdade é que essa semana havia uma especial tensão no ar.
O STF, Supremo Tribunal das Fábulas, estava reunido.
Ocorre que o Lobo da Chapeuzinho Vermelho (vermelho, pegou?), entrou com um habeas corpus, fato inédito para aquela história.
Durante séculos, ninguém discutiu o caso.
Vovozinha ainda viva dentro da barriga do Lobo era caso encerrado.
Não há o que investigar.
O próprio delegado da Polícia Federal resolvia tudo com um caçador local.
Só que dessa vez o Lobo resolveu encrencar.
Seu advogado alegou que — apesar das evidências — só poderiam abrir a barriga do Lobo quando o processo transitasse em julgado.
A Ministra Coruja, decana do STF, reagiu:
– Presidente, se aguardarmos o trânsito em julgado e a Vovozinha estiver viva nas entranhas do Lobo, quando abrirmos sua barriga, já será tarde demais! Não pode isso!
Do outro lado da bancada, o Ministro Raposão, indicado pelo próprio Lobo ao tribunal, saiu em sua defesa:
– Data máxima vênia, Presidente, nós aqui no tribunal temos uma disciplina, um rito que deve ser seguido. Se acelerarmos os processos, corremos o risco de nos transformarmos num tribunal de injustiças.
Horas de discussão se seguiram.
A Ministra Rainha Presidente, famosa por suas escolhas sempre equilibradas, coçou o queixo e decidiu:
– Senhores, vou pedir um recesso. Assim, poderemos analisar melhor essa questão.
Ah, pronto!
A verdade é que o povo do Mundo da Fantasia estava por aqui do Lobo.
Sempre o acusavam de ser um sujeitinho rasteiro, encrenqueiro, capaz de enganar criancinhas e comer velhotas.
E não era só esse caso.
Tinha ainda o do tríplex dos Três Porquinhos, que o Lobo insistia que não derrubou.
E aquela história do Sítio do Pica-Pau Amarelo que nunca foi explicada.
Os dias se passaram arrastados.
Na data marcada para a votação, o Mundo da Fantasia estava tomado por manifestantes.
Cobras falantes, anões mineradores, bruxas, fadas, todos ansiosos pela decisão.
O STF confabulou por horas e, justamente quando a Ministra Rainha Presidente ia anunciar a decisão, o pau quebrou feio.
Invadiram castelos de todas as princesas, mataram rainhas e reis, arrancaram cabeças.
Porquinhos fofinhos viraram feijoada, Cigarras e Formigas pisoteadas sem dó, Lobos apedrejados em praça pública.
Ninguém teve paciência para conhecer a decisão.
Porque no Mundo da Fantasia é assim.
Todo mundo sabe que não importa o que decidirem, na próxima vez que contarem a história, a Vovozinha morre no fim.