Supremacistas e jihadistas, inimigos ideológicos com semelhanças

Supremacistas e jihadistas, inimigos ideológicos com semelhanças

Uns se preparam para o triunfo da raça branca, outros para o da sharia ou lei islâmica. Mas, apesar das ideologias antinômicas, os supremacistas brancos e jihadistas desenvolvem estratégias de comunicação semelhantes e influenciam uns aos outros.

Ao contrário do que possa parecer seus valores, existem analogias entre, de um lado, os supremacistas americanos e grupos de extrema direita em todo o mundo e, de outro, organizações jihadistas como a Al-Qaeda e o Estado Islâmico (EI).

Ambos coincidem nas referências a uma época de ouro na Idade Média, a oposição visceral à ordem mundial, o ódio aos judeus e apologia à violência e, além disso, estão convencidos da grandeza perdida de sua civilização.

“Há uma noção de urgência nas razões pelas quais se mobilizam. Estão ameaçados e perseguidos em todos os lugares, então devem agir”, explica Thomas Hegghammer, pesquisador do Norwegian Defense Research Establishment em Oslo.

A propaganda de ambos “descreve uma batalha existencial entre o bem e o mal que constitui a pedra angular” dessas ideologias, afirmou em 2019 em relatório o instituto americano Soufan Center.

– “Coquetel diabólico” –

Todos entenderam a eficácia do vídeo para tirar vantagem da crueldade. O EI gravou decapitações e crucificações, o autor do atentado de Christchurch (Nova Zelândia) em 2019 transmitiu seu ataque no Facebook Live. Pouco depois, o assassino de Halle (Alemanha) divulgou seu ataque antissemita na plataforma de streaming Twitch.

“Há claramente uma admiração dos supremacistas pelos jihadistas. Eles até usam o termo ‘jihad branca’ para explicar o que fazem”, afirma à AFP Colin Clarke, diretor do Soufan Center e coautor do relatório.

E quando não é admiração, é pragmatismo. O norueguês Anders Breivik, autor dos ataques de Oslo e Utoya (77 mortos e 151 feridos em 2011) teorizou isso em um manifesto de 1.500 páginas. Ele designou os Estados Unidos e a União Europeia como inimigos comuns e planejou cooperar com o Irã, a Al-Qaeda ou os jihadistas Al-Shabab da Somália para usar “pequenas armas nucleares, radiológicas, biológicas ou químicas nas capitais ocidentais”.

E em junho passado, um soldado americano foi acusado de ajudar um pequeno grupo neonazista a preparar um ataque contra sua própria unidade na Turquia. Ethan Melzer admirava Hitler e Bin Laden e esperava “perdas massivas”. Este simpatizante do movimento neonazista britânico Ordem dos Nove Ângulos (O9A), imaginava uma operação realizada por jihadistas. “Um coquetel diabólico de ideologias ligadas ao ódio e à violência”, segundo o promotor John C. Demers.

– “Popurrí de extremistas” –

No sentido contrário, um jihadista divulgou recentemente um texto pedindo a seus companheiros que fossem lutar na Ucrânia para aprender a usar armas.

De acordo com o SITE, um centro americano de vigilância de sites jihadista, o indivíduo afirmou ter lido uma discussão entre dois supremacistas brancos. Prestou homenagem às minorias muçulmanas no Cáucaso e acrescentou: “Vocês podem desestabilizar toda a Europa a partir da Ucrânia, com excelentes combatentes que têm visão e capacidade logística”.

Os dois movimentos influenciam-se mutuamente. Porque a internet é um grande supermercado, onde todo mundo anda com sua lista de compras, roubando do carrinho do inimigo.

“Constatamos uma troca utilitária e pragmática de documentos para fins operacionais, como tutoriais. Encontramos na extrema direita documentos compartilhados por jihadistas”, diz Laurence Bindner, cofundadora do JOS Project, plataforma online para análise de propaganda extremista.

E quando não se trata de mimetismo, é competição. “Eles têm interesses comuns, mesmo que seja apenas o fato de mergulhar a sociedade no caos, na guerra racial ou de civilizações”, acrescenta a especialista, que descreve “a inclusão da propaganda de uns por outros” para fins de radicalização.

Como a recente divulgação pela extrema direita francesa de fotos de Samuel Paty, o professor decapitado em outubro por um jihadista.

Como essas organizações sobrevivem a tantas diferenças ideológicas? A ação precede sobre a razão, diz Rita Katz, diretora do SITE.

O EI, com sua “marca”, reuniu “convertidos, criminosos, fundamentalistas, adolescentes ingênuos”, enumera. E da mesma forma “a extrema direita de hoje é um potpourri de milicianos, neonazistas, nacionalistas brancos, neofascistas, movimentos conspiratórios como QAnon”.

A eficácia prevalece sobre a consistência. E é só o começo, avisa Rita Katz. “O terrorismo da era da internet se parece com isso”, observa. “Ideologias rígidas são substituídas por movimentos virais. Os movimentos extremistas que funcionam são os que criam as maiores e mais ativas infraestruturas online”.