Suprema Corte dos EUA libera deportações para países terceiros

Suprema Corte dos EUA libera deportações para países terceiros

"CorteEm vitória para Trump, tribunal autoriza governo a retomar a deportação de migrantes para países que não são os seus de origem. Juíza que abriu dissidência diz que decisão expõe "milhares ao risco de tortura ou morte".A Suprema Corte dos Estados Unidos permitiu nesta segunda-feira (23/06) que o governo do presidente Donald Trump retome as remoções de migrantes para países terceiros, ou seja, que não são os seus de origem.

A decisão, suspende, por ora, uma ordem judicial que exigia que eles tivessem a chance de contestar as deportações.

Em uma ação que provocou uma forte dissidência dos três juízes tidos como liberais – entre os nove que integram o colegiado –, a Corte atendeu ao pedido do governo e revogou uma ordem judicial que exigia que os migrantes em vias de deportação para nações que não sejam seus países de origem tivessem a oportunidade de notificar as autoridades americanas que correm risco de tortura em seu novo destino.

A ordem foi emitida em 18 de abril pelo juiz distrital Brian Murphy, na cidade de Boston. O governo solicitou a intervenção da Suprema Corte após um Tribunal de Apelações se recusar, em 16 de maio, a suspender a decisão de Murphy.

A juíza da Suprema Corte Sonia Sotomayor, acompanhada pelas magistradas Elena Kagan e Ketanji Brown Jackson, abriu uma dissidência na qual classificou a decisão como um "abuso grave" do poder da Suprema Corte. "Aparentemente, essa Corte considera a ideia de que milhares sofrerão violência em locais remotos mais aceitável do que a remota possibilidade de um tribunal distrital ter excedido seus poderes de reparação ao ordenar ao governo que fornecesse notificação e processo aos quais os demandantes têm direito constitucional e estatutário", escreveu a juíza.

Sotomayor classificou a ação do tribunal como "tão incompreensível quanto indesculpável". Em sua divergência de 19 páginas, a juíza escreveu que a decisão da corte expõe "milhares ao risco de tortura ou morte".

"O governo deixou claro, em palavras e atos, que se sente livre da lei; livre para deportar qualquer pessoa para qualquer lugar sem aviso prévio ou oportunidade de ser ouvido", escreveu a juíza.

Ela afirmou que, ao enviar migrantes para o Sudão do Sul, para a base naval americana de Guantánamo, em Cuba, ou para as prisões de El Salvador, o governo "desrespeitou abertamente duas ordens judiciais" emitidas pelo juiz Murphy.

A Suprema Corte não apresentou nenhuma justificativa para sua decisão, o que é comum em casos de pedidos de emergência.

Juiz denunciou violação do devido processo legal

Em sua decisão de abril, Murphy considerou que a política do governo de "executar remoções para países terceiros sem notificação prévia ou oportunidade relevante para apresentar reivindicações baseadas em temores" seria uma provável violação das proteções do devido processo legal previstas na Constituição dos EUA.

O devido processo legal geralmente exige que o governo forneça um pré-aviso e uma oportunidade para uma audiência antes de adotar certas medidas.

Após o Departamento de Segurança Interna ter intensificado as deportações rápidas para países terceiros em fevereiro, entidades de direitos dos migrantes entraram com uma ação coletiva em nome de um grupo que buscava impedir sua remoção para esses locais sem aviso prévio e ter a chance de denunciar os danos que poderiam enfrentar.

As autoridades dos EUA avaliam que eles cometeram "crimes hediondos" em solo americano, incluindo assassinato, incêndio criminoso e assalto à mão armada, e que o governo não conseguiu devolvê-los com a rapidez desejada aos seus países de origem.

Em 21 de maio, Murphy concluiu que o governo Trump violou sua ordem que exigia medidas adicionais antes de tentar enviar um grupo de migrantes para o Sudão do Sul – país considerado politicamente instável que o Departamento de Estado dos EUA instou os americanos a evitarem "devido a crimes, sequestros e conflitos armados".

A advogada do grupo e diretora executiva da Aliança Nacional de Litígios de Imigração, Trina Realmuto, advertiu que os migrantes, oriundos de países como Mianmar, Vietnã e Cuba, enfrentam possível "prisão, tortura e até morte" se forem enviados para o Sudão do Sul.

A intervenção do juiz levou o governo dos EUA a manter o grupo em uma base militar americana em Djibuti.

Governo comemora decisão

Após a decisão da Suprema Corte, Murphy, em ordem judicial, determinou que sua decisão de impedir a rápida deportação dos oito homens para o Sudão do Sul permanecia "em pleno vigor e efeito".

O governo, porém, alega que sua política de deportações para países terceiros estaria em conformidade com o devido processo legal e seria essencial para a remoção de migrantes que cometem crimes, já que seus países de origem muitas vezes não estão dispostos a aceitá-los de volta.

"A Constituição e o Congresso conferiram autoridade ao presidente para fazer cumprir as leis de imigração e remover estrangeiros perigosos", disse a porta-voz da Casa Branca, Abigail Jackson, após a decisão desta segunda-feira.

"A suspensão pela Suprema Corte da liminar de um juiz distrital de esquerda reafirma a autoridade do presidente para remover imigrantes ilegais criminosos do nosso país e tornar a América segura novamente", completou.

Enxurrada de processos na Justiça

Essa disputa é um dos muitos desafios legais às políticas de Trump que foram levados à Suprema Corte desde o início de seu segundo mandato, em janeiro.

Em maio, a Suprema Corte permitiu que Trump suspendesse temporariamente programas humanitários que beneficiavam centenas de milhares de migrantes que moravam e trabalhavam nos Estados Unidos.

Os juízes, no entanto, criticaram o tratamento dado pelo governo a alguns migrantes que Trump havia selecionado para deportação sob a chamada Lei de Inimigos Estrangeiros – uma legislação de 1798 que havia sido aplicada apenas em tempos de guerra – como inadequado sob as proteções constitucionais do devido processo legal.

Em sua dissidência, Sotomayor também destacou ainda outro litígio contra a Lei de Inimigos Estrangeiros, no qual foram levantadas questões sobre o cumprimento, pelo governo, de uma ordem emitida por um juiz.

"Esta não é a primeira vez que a Corte fecha os olhos para o descumprimento, tampouco, temo, será a última", escreveu Sotomayor. "No entanto, cada vez que esta Corte recompensa o descumprimento com medidas discricionárias, corrói ainda mais o respeito pelos tribunais e pelo Estado de Direito."

rc (Reuters, AP)