A Suprema Corte do Texas decidirá sobre a aplicação de exceções médicas às proibições do aborto, após uma audiência nesta terça-feira (28) na qual tanto a advogada de um grupo de mulheres que processaram o estado por negar-lhes o procedimento apesar de sua condição de saúde, quanto os processados, apresentaram seus argumentos.

Em agosto, uma juíza do distrito do Texas se pronunciou a favor das autoras do processo, ao assegurar que deveriam ter acesso ao aborto neste estado conservador do sul dos Estados Unidos.

A magistrada Jessica Mangrum bloqueou as proibições ao procedimento em caso de pessoas com complicações perigosas na gravidez, esclarecendo que os médicos podem usar seu próprio critério para realizá-lo.

Mas o estado apelou e a questão foi parar na Suprema Corte do Texas, com sede na capital, Austin, que deverá decidir se ratifica a decisão de Mangrum. Uma decisão é esperada para março de 2024.

Para a ONG Centro de Direitos Reprodutivos (CRR), que apresentou a ação em março de 2023 em nome das mulheres, o pedido busca esclarecer quais situações podem ser consideradas exceções médicas para realizar um aborto no Texas. Isso ocorre porque os médicos têm se recusado a realizar a prática para evitar problemas legais, mesmo quando a vida da mãe estava em risco ou a gravidez era inviável.

“As demandantes testemunharam que seus médicos não sabiam o que fazer, suas mãos estavam atadas pela lei”, disse Molly Duane, advogada do CRR e das demandantes, aos juízes em Austin.

Para Duane, embora a lei no Texas tenha exceções para a realização do aborto quando há perigo de morte para a mãe, “ninguém sabe o que isso significa. E o estado não nos diz”. Os médicos podem enfrentar até 99 anos de prisão, multas de US$ 100 mil (R$ 498 mil) e a revogação de suas licenças médicas se a justiça considerar que o aborto praticado foi ilegal.

O Texas é um dos vários estados conservadores que declarou o aborto ilegal, inclusive em casos de incesto ou estupro, depois que há um ano e meio a Suprema Corte anulou a aplicabilidade da decisão do caso Roe v. Wade, que garantiu por meio século o direito ao aborto a nível federal.

– Culpa do médico –

Para a representante do escritório da Procuradora-Geral do Texas, Beth Klusmann, as demandantes deveriam reclamar de seus médicos e não do estado. Considerou que se uma mulher tem líquido amniótico escorrendo pelas suas pernas, “o problema não é a lei, é o médico, porque se trata de uma exceção por emergência médica”.

O juiz Jeff Boyd questionou o argumento dela. “O que gera a necessidade de clareza é que, para algumas mulheres, você mesmo está dizendo, provavelmente de acordo com a lei, deveria ter sido permitido o aborto, mas o médico disse que não, ‘não está tão claro para mim, então não posso fazer isso'”, rebateu.

Para Klusmann, a corte distrital “ultrapassou suas prerrogativas constitucionais ao reescrever e ampliar as condições de emergência médica” e considerou que a ação movida busca “eliminar a linha para que nunca haja realmente uma circunstância em que uma mulher não possa obter um aborto”.

Duane, do CRR, insistiu que “os médicos têm medo de confiar na exceção”.

Mas o juiz Brett Busby disse que o trabalho da corte é “decidir casos, não elaborar e expandir leis para torná-las mais fáceis de entender ou cumprir”.

– Fugir para abortar –

O caso é denominado Zurawski vs. Estado do Texas, por causa de Amanda Zurawski, a primeira mulher a processar o estado. Apesar de, segundo seus advogados, o aborto espontâneo ser inevitável em sua situação, o médico não interveio imediatamente porque o coração do feto ainda estava batendo. Ela teve choque séptico e quase morreu. Seu bebê nasceu sem vida.

Atualmente, a ação inclui 22 pessoas. Além das pacientes, médicos também se juntaram.

Jessica Bernardo, de 39 anos, carregou em seu ventre uma bebê diagnosticada com uma doença que provoca grande acumulação de líquido no corpo e não existia possibilidade de ela sobreviver. Os sintomas também refletiam na mãe, que teve que viajar até Seatle, no estado de Washington, para abortar.

Sua médica disse a ela que antes de as novas leis antiaborto entrarem em vigor, ela poderia ter sido tratada no Texas. Tentou ajudá-la e levou o caso a uma junta de médicos do hospital, “mas eles negaram, porque ela não estava doente o suficiente”.

“Tivemos que fazer arranjos de última hora para encontrar algum local onde pudesse fazer um aborto o quanto antes (…) Mas nem todo mundo tem a mesma sorte que eu”, afirmou à AFP. Contou que graças àquela atenção médica que recebeu, finalmente pôde ficar grávida de um bebê saudável.

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