A Suprema Corte do Iraque ordenou nesta segunda-feira (18) a suspensão do referendo de independência previsto para 25 de setembro no Curdistão iraquiano até a análise de sua constitucionalidade.

Após duas votações do Parlamento federal em Bagdá contra o referendo, “a Suprema Corte emitiu uma ordem para suspender o procedimento de organização do referendo previsto para 25 de setembro por ordem da Presidência do Curdistão, até a análise das demandas que recebeu afirmando que esta consulta é inconstitucional”, segundo um comunicado.

“A Corte se reuniu em plenário nesta segunda-feira e revisou as demandas para suspender o referendo no Curdistão e nas regiões. Ao final da deliberação, tomou esta decisão”, afirma o texto.

“Recebemos várias demandas”, incluindo uma sobre a inconstitucionalidade submetida pelo primeiro-ministro Haider al-Abadi “e, por isso, decidimos que era necessário suspender o referendo”, disse o porta-voz do tribunal, Ayas al-Samuk.

O presidente curdo, Massud Barzani, destacou que o resultado do referendo não levará a uma declaração de independência imediata, e sim ao início de “discussões sérias com Bagdá”, com o objetivo de “solucionar todos os problemas”.

Segundo especialistas, a consulta é uma tentativa de pressionar Bagdá para obter concessões, principalmente, sobre petróleo e finanças.

Depois de afirmar, várias vezes, estar disposto a dialogar com Barzani, Abadi endureceu o tom nos últimos dias e chegou a cogitar “uma intervenção militar”, em caso de ameaça – sobretudo, dos combatentes curdos peshmergas.

Seu predecessor, Nuri al-Maliki, agora vice-presidente, comparou a independência do Curdistão à criação de um “segundo Israel”, provocando atrito com o vice-presidente do Parlamento curdo, Jaafar Aimenky.

“Israel não matou tantos árabes quanto Nuri al-Maliki durante todos os anos que passou no poder”, reagiu.

Nesse contexto, Ancara, que denuncia há meses o referendo de Erbil, iniciou nesta segunda-feira um exercício militar na fronteira com o Curdistão. E garante que prosseguirá, em paralelo, com “operações antiterroristas na região fronteiriça”, palco de combates diários entre o Exército turco e os separatistas curdos do PKK.

Os temores também são crescentes em relação à escalada de violência entre os iraquianos, envolvendo particularmente os peshmergas e as muitas unidades paramilitares espalhadas pelo país e que poderiam disputar as zonas recuperadas das mãos dos extremistas do grupo Estado Islâmico (EI).

O influente comandante xiita Hadi al-Ameri, chefe da organização Badr – poderoso grupo paramilitar iraquiano apoiado pelo Irã -, multiplicou recentemente as advertências contra uma “guerra civil”. Hoje, ele visitou a província de Kirkuk, onde as tensões são mais agudas.

– Decisão ‘unilateral’ –

No domingo (17), o Irã ameaçou fechar a fronteira com o Curdistão e acabar com todos os acordos de segurança que os vinculam e que desempenharam um papel importante no combate aos extremistas a partir de 2014.

À medida que os temores da violência se multiplicam, outros atores defenderam os canais diplomáticos e o diálogo.

A ONU propôs que Erbil desistisse da realização do referendo em troca de sua ajuda para negociações conclusivas com Bagdá dentro de três anos. Até agora não recebeu qualquer resposta de Barzani.

O ministro britânico da Defesa, Michael Falon, deve se encontrar com o presidente curdo na parte da tarde para lhe dizer que Londres “não apoia o referendo”. Segundo o chanceler, a consulta é um “erro perigoso”. Outros países também poderiam endossar a proposta da ONU.

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, denunciou “uma decisão unilateral” que vai atrapalhar a luta contra o EI, conduzida pelas forças federais iraquianas e pelos peshmergas, apoiados pela coalizão internacional liderada por Washington.

Há vários dias, com a aproximação da consulta popular, diplomatas da ONU, americanos, britânicos, europeus, ou vizinhos, revezam-se na tentativa de fazer Barzani recuar.

Entre eles, o ex-embaixador saudita em Bagdá, Thamer al-Sabhan, propôs a Barzani um adiamento do referendo em troca de investimentos na região autônoma que atravessa sua pior crise econômica, disse à AFP um responsável curdo que pediu para não ser identificado.

Barzani tem dito há meses que cancelará, ou adiará, o referendo apenas se forem oferecidas melhores opções para garantir os direitos de seu povo, severamente reprimido sob o regime de Saddam Hussein, mas que agora desfruta de autonomia.

Uma delegação curda é esperada na terça-feira (19) em Bagdá, enquanto o primeiro-ministro iraquiano partiu para a Assembleia Geral da ONU, em Nova York.