Na minha coluna de ontem, quarta-feira dia 23, antecipei o potencial explosivo do escândalo do superfaturamento, digo, super-hiper-ultra-mega-blaster-faturamento de 1.000 % da vacina indiana Covaxin. Afinal, não é todo dia que um governo nos brinda com o recorde universal de imoralidade na administração pública.

Em se tratando do governo do amigão do Queiroz – o miliciano que abasteceu a conta da primeira-dama com 90 mil reais em cheques e que pagava até a escola dos filhos do senador das rachadinhas e da mansão de seis milhões de reais – é que a cobra fuma de verdade, já que se autoproclama como incorruptível.

PERGUNTAS SEM RESPOSTAS

Acuado, nas cordas, e zonzo por tanta pancada que levou no queixo de cristal, o devoto da cloroquina escalou Onyx Lorenzoni – sim, aquele que recebeu ‘doação de campanha’ da Odebrecht pelo ‘caixa 2’, leia-se, dinheiro sujo, para defender o governo. Além do ilibado deputado, os pimpolhos Dudu Bananinha e Carlucho se posicionaram nas redes sociais. Mas o Mito, caladinho estava, caladinho ficou.

Bem, é até compreensível. Mesmo para um mitômano cara de pau. Afinal, como responder a:

Por que comprar uma vacina muito mais cara que as demais já testadas e em uso por todo o mundo, como as da Pfizer e Astrazeneca, por exemplo?

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Por que tanta pressa na compra de uma vacina que nem sequer ainda fora aprovada pela Anvisa, para uso emergencial, como as outras?

Por que somente a Covaxin mereceu da Anvisa uma regra especial que permitiu sua importação, através de lei específica – a 14.124 – criada após Medida Provisória assinada pelo presidente?

Por que ao contrário das demais vacinas (Pfizer, AstraZeneca e Coronavac) o governo federal não negociou diretamente com o fabricante, mas sim com uma empresa intermediária?

Por que a ‘pressão descomunal’ exercida sobre o servidor do Ministério da Saúde – irmão do deputado que afirmou que avisou Jair Bolsonaro sobre o caso – para agilizar o processo?

Por que este mesmo servidor, Luis Ricardo Miranda, sofreu retaliações no seu trabalho, e por que seu irmão, Luis Miranda, o deputado descrito acima, foi afastado de seus afazeres legislativos para o governo?

CRONOLOGIA DO CASO

O site O Antagonista apresentou uma cronologia detalhada do caso, onde se pode verificar toda a sua atipicidade. Traduzindo: a enorme mancha de batom na cueca. Acompanhem:

5 de janeiro: Governo Bolsonaro edita medida provisória para facilitar compra de vacinas contra a Covid.

7 de janeiro: Executivos da Precisa Medicamentos, representante no Brasil do laboratório indiano que produz a Covaxin, participam de reunião na embaixada brasileira em Nova Déli.

8 de janeiro: Jair Bolsonaro informa, por carta, ao primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, que a Covaxin estará entre as vacinas escolhidas pelo Brasil para a imunizar a população.

12 de janeiro: Representantes da Precisa formalizam, pela primeira vez, a oferta da vacina Covaxin ao governo federal.


20 de janeiro: Representantes da Precisa se reúnem com técnicos da Anvisa.

29 de janeiro: Deputado federal Luis Miranda se reúne com Jair Bolsonaro, no Palácio do Planalto, e diz que “estão acontecendo algumas coisas no Ministério da Saúde e o senhor vai precisar agir”. O deputado é irmão do servidor do ministério que denunciou o esquema.

30 de janeiro: Deputado Luis Miranda passeia de moto com Jair Bolsonaro e, na ocasião, volta a fazer alertas sobre “coisas estranhas” no Ministério da Saúde relacionadas às negociações para compra da Covaxin.

3 de fevereiro: Ricardo Barros, líder do governo Bolsonaro na Câmara, apresenta emenda para flexibilizar a medida provisória sobre compra de vacinas, facilitando as negociações para aquisição da Covaxin.

11 de fevereiro: Élcio Franco, então secretário-executivo do Ministério da Saúde, afirma que a compra poderia ser feita antes da apresentação de “dados da vacina de eficácia geral maiores do que 50%”.

19 de fevereiro: Publicado no Diário Oficial da União (DOU) o extrato de dispensa de licitação para a compra da Covaxin.

23 de fevereiro: Câmara aprova a medida provisória sobre a compra de vacinas, com a emenda apresentada por Ricardo Barros.

25 de fevereiro: Ministério da Saúde fecha contrato com a Precisa Medicamentos, no valor de R$ 1,614 bilhão, para a compra de 20 milhões de doses da Covaxin, que ainda não tinha aval da Anvisa. Contrato com a Precisa é fechado antes dos contratos com a Pfizer e a Janssen e com o maior valor por dose.

26 de fevereiro: Adriana Ventura e Tiago Mitraud, deputados do Novo, enviam requerimento ao Ministério da Saúde pedindo informações sobre o contrato para a compra da Covaxin.

2 de março: Senado também aprova a medida provisória sobre a compra de vacinas, com a emenda apresentada por Ricardo Barros.

10 de março: Com a MP aprovada na Câmara e no Senado, e a emenda de Ricardo Barros contemplada, é oficializada a legislação que permite a importação da Covaxin.

20 de março: Luis Miranda envia mensagens a um assessor presidencial dizendo que “está rolando um esquema de corrupção pesado na aquisição das vacinas dentro do Ministério da Saúde. Tenho provas e as testemunhas”. No mesmo dia, Luis Miranda leva o irmão servidor do Ministério da Saúde e denunciante do esquema da Covaxin, Luis Ricardo Fernandes Miranda, ao encontro de Jair Bolsonaro, e ambos apresentam documentos ao presidente.


22 de março: Luis Miranda envia novas mensagens ao assessor presidencial: “Pelo amor de Deus, isso é muito sério. Meu irmão quer saber do presidente da República como agir”.

23 de março: Luis Miranda volta a enviar mensagens ao assessor presidencial perguntando: “O PR está chateado comigo? Algo que eu fiz?” O assessor respondeu: “Negativo, deputado. São muitas demandas”.

31 de março: Anvisa rejeita primeiro pedido para importar Covaxin. Agência reguladora fala em documentação incompleta e aponta outros problemas.

6 de maio: Palácio do Planalto veta o nome de Luis Miranda para relatar a reforma tributária.

4 de junho: Anvisa aprova segundo pedido de importação da Covaxin, mas com “condicionantes”: a vacina só poderá ser aplicada em até 1% da população brasileira, assim como a russa Sputnik V, e somente em “centros especiais”, para caso de reações adversas.

22 de junho: Ministério da Saúde informa que não efetivou a compra da vacina Covaxin e que ainda não fez qualquer pagamento ao laboratório.

23 de junho: O Antagonista noticia que Jair Bolsonaro havia sido alertado de possíveis irregularidades na compra da Covaxin. O deputado Luis Miranda, em entrevista exclusiva a este site, detalha os alertas que deu pessoalmente ao presidente.

23 de junho: CPI da Covid aprova convite para que o deputado Luis Miranda e seu irmão sejam ouvidos na comissão em 25 de junho.

E AGORA?

O Tribunal de Contas da União (TCU), a Controladoria Geral da União (CGU) e o Ministério Público Federal (MPF), além da CPI da Covid, mergulharam de cabeça na história mais mal contada dos últimos anos.

Os próximos dias, ao que tudo indica, não serão nem um pouco fáceis para o Clã das Rachadinhas, sobretudo para o maníaco do tratamento precoce, Jair Messias Bolsonaro. Ele e os seus terão muito a explicar.

Nenhum ser pensante fora da bolha idólatra que ainda sustenta a popularidade do ‘mito’ acredita na lisura da segunda ‘alma mais honesta deste País’ – a primeira, é claro, e autor da frase, é o meliante de São Bernardo, aquele cujo o nome não se pronuncia, hehe.

Contudo, forçoso reconhecer, e digno de se comemorar, até então não havia nada que desabonasse este desgoverno homicida no tocante (falem a verdade: existe expressão mais brega do que essa?) à corrupção. Mas agora, há. E ‘de com força’ como se diz lá nas minhas Minas Gerais.

O maridão da ‘Micheque’ perdeu de vez sua única (e fictícia!) bandeira. E se o rolo for mesmo desse tamanho todo que parece que é, deixará o Petrolão do PT com vergonha pela modéstia dos percentuais de superfaturamento. Como diz o velho ditado: ‘quem fala demais dá bom dia a cavalo’.


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