O percurso de acesso ao cume do Monte Rinjani, na Ilha de Lombok, na Indonésia, pode durar de dois a quatro dias e inclui trechos íngremes, instabilidade climática e riscos elevados, principalmente em épocas de neblinas. De acordo com relatos, no entanto, agências de turismo do país vendem o passeio como “fácil”.
Com 3.726 metros de altura e uma caldeira de 50 quilômetros quadrados, o vulcão Rinjani é o segundo maior da Indonésia e bastante procurado como ponto turístico. Nesta semana, a brasileira Juliana Marins, de 26 anos, foi encontrada morta após despencar de um precipício enquanto fazia uma trilha no local, no sábado, 21.
O caso da publicitária repercutiu no Brasil e no mundo e, a partir disso, surgiram relatos de outras pessoas que fizeram o passeio ao vulcão e contaram suas experiências.
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Em entrevista à IstoÉ, a advogada Ana Clara Rocha contou que realizou uma viagem com duas amigas até a Indonésia, em 2017. O intuito o passeio era conhecer praias para surfe, mas em um determinado dia, entediadas em uma ilha, resolveram procurar por aventuras radicais.
“Fomos até uma agência de viagem e passaram a empurrar para nós o passeio no vulcão Rinjani, por ser o mais caro. Depois de muita insistência, aceitamos”, relatou. No entanto, a advogada destacou que informação falsas foram repassadas a respeito do passeio. “Disseram que era uma trilha muito tranquila, que crianças e idosos faziam, que teríamos barracas individuais, roupas de frio e equipamentos de proteção”, explicou.
Ainda de acordo com ela, quando chegaram no primeiro ponto do passeio, perceberam que haviam “se metido em uma enrascada”. “Não tinham equipamentos de segurança para alugar, as roupas de frio estavam úmidas e fedidas, as botas eram um número menor do que o nosso pé”, destacou.
Mesmo assim, Ana Clara e suas amigas resolveram continuar com o passeio. Na primeira noite, elas tiveram de dividir a mesma barraca porque não havia o suficiente para todos os turistas. “Uma das minhas amigas teve crise de pânico, não conseguiu dormir à noite e resolveu não subir até o cume. Eu e a outra amiga continuamos a caminhada”, relatou.
“Em um determinado ponto, o nosso guia disse que não estava se sentindo bem e falou para seguirmos com um outro grupo. A gente subiu seguindo a luz da lanterna de outras pessoas”, afirmou.
Questionada se pensaram em desistir, Ana Clara disse que em diversos momentos comunicaram o guia, que teria respondido: “Então vocês voltarão sozinhas, porque eu vou seguir com o grupo até o cume do vulcão”. “Foi desesperador, uma das piores experiências da minha vida”, finalizou.
A escritora Letícia Mello compartilha do mesmo sentimento da advogada. Por meio de uma publicação no Instagram, ela descreveu a sua experiência no Monte Rinjani e também criticou a agência que vendeu a trilha “como um ‘passeio’ que não precisa de nenhum preparo ou equipamento”.
“As condições eram extremamente precárias, ao ponto de a tenda das meninas que estavam conosco não ter aguentado ficar de pé, e elas dormirem com a tenda completamente caída sobre elas”, disse a escritora, que realizou a trilha em 2017.
“O Monte Rinjani não é uma montanha técnica (o que também reflete na capacidade de resgate/equipe), mas está muito longe de ser uma montanha fácil: são cerca de 30 km em 3 dias — de 2.500m a 3.000 de ganho de elevação, dependendo da rota”, acrescentou.
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No site “Trip Advisor”, alguns usuários também destacaram as dificuldades do passeio. Em um dos comentários, uma turista identificada como Alexia comentou que o passeio durou 3 dias e 2 noites e a caminhada foi bem difícil, porque se tratava de uma “escalada”. “Acho que, na realidade, metade das pessoas não fazem ideia do que vão enfrentar. Durante o dia muito calor e pouco descanso, a noite muito frio mesmo e água limitada”, completou.
Relembre o caso
A publicitária brasileira Juliana Marins caiu no sábado, 21, enquanto fazia uma trilha ao cume do vulcão Rinjani, o segundo maior da Indonésia. De acordo com relatos, ela teria dito ao guia que estava muito cansada para continuar a caminhada. Ele, então, falou para ela descansar e seguiu com o grupo de turistas.
Mariana Marins, irmã de Juliana, disse ao “Fantástico” que a brasileira teria sido abandonada pelo guia por mais de uma hora, entrou em desespero, tentou alcançar o grupo e caiu.
Em entrevista ao “O Globo”, o guia Ali Musthofa confirmou que tinha aconselhado a brasileira a descansar, mas afirmou que o combinado era apenas esperá-la um pouco mais à frente.
“Na verdade, eu não a deixei, mas esperei três minutos na frente dela. Depois de uns 15 ou 30 minutos, Juliana não apareceu. Procurei por ela no último local de descanso, mas não a encontrei. Eu disse que a esperaria à frente. Eu disse para ela descansar. Percebi [que ela havia caído] quando vi a luz de uma lanterna em um barranco a uns 150 metros de profundidade e ouvi a voz de Juliana pedindo socorro. Eu disse que iria ajudá-la”, disse. “Tentei desesperadamente dizer a Juliana para esperar por ajuda”, completou.
Apesar da queda, as autoridades locais afirmaram que Juliana ainda estava viva, no sábado. Isso está de acordo com imagens de drones feitas no dia que circulam nas redes sociais.
Três dias depois, na terça-feira, 24, equipes de resgate disseram que conseguiram se aproximar de Juliana, que estava a cerca de 600 metros abaixo da trilha, e a declararam morta.
A família de Juliana apontou lentidão das autoridades locais durante o processo de resgate da brasileira. O chefe do Parque Nacional do Monte Rinjani (TNGR), Yarman Wasur, disse que o processo de evacuação foi realizado de acordo com os procedimentos padrões e negou as críticas de que o processo tenha sido lento.
“Formamos uma equipe imediatamente. O processo de formar uma equipe, preparar equipamentos e outros itens leva tempo. Esta equipe precisa ser profissional, pois envolve a segurança também da equipe de evacuação”, explicou.
O chefe do parque ainda destacou que o monte Rinjani é um local extremo, que possui uma topografia difícil e o clima muda constantemente. Tudo isso implica no procedimento de resgate.
Mesmo assim, a família de Juliana afirmou que ela sofreu uma “grande negligência” e pretende “lutar por justiça” pela jovem. Na quinta-feira, 26, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) informou que conversou por telefone com o pai de Juliana, Manoel Marins, e garantiu o auxílio do Itamaraty, inclusive no translado do corpo.