STF volta a julgar marco temporal um dia após Senado aprovar PEC sobre o tema

O Supremo Tribunal Federal (STF) vai começar a julgar nesta quarta-feira, 10, ações que tratam sobre a constitucionalidade da Lei do Marco Temporal. O julgamento, que já estava marcado há cerca de duas semanas, vai ocorrer um dia depois de o Senado aprovar uma PEC que inclui a tese na Constituição, em meio a mais um capítulo da tensão entre os Poderes.

A PEC do marco temporal foi aprovada em regime de urgência na noite desta terça-feira, 9. A proposta foi pautada na semana passada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). O movimento ocorreu após a insatisfação do Congresso com a liminar do ministro Gilmar Mendes que dificultou a abertura de processos de impeachment contra integrantes da Corte. O próprio Gilmar é relator do caso no Supremo e vem buscando uma conciliação sobre o tema desde o ano passado.

O primeiro dia do julgamento foi marcado exclusivamente para a leitura do relatório e a apresentação das sustentações orais de advogados e terceiros interessados. As ações têm dezenas de amicus curiae e as sustentações podem durar mais de uma sessão. Além disso, interlocutores do ministro apontam que o seu voto deve ser longo. Esses fatores indicam que o desfecho do julgamento deve ficar para 2026.

A tese do marco temporal diz que os indígenas só têm direito às terras que ocupavam na data da promulgação da Constituição, em 5 outubro de 1988. Em setembro de 2023, o Supremo já decidiu que esse entendimento é inconstitucional. Dias depois, em outro momento de crise entre os Poderes, o Congresso aprovou uma lei que recria a tese. O trecho que instituiu o marco temporal foi vetado pelo governo e os vetos, por sua vez, foram derrubados pelo Legislativo.

Diante do impasse, o caso voltou ao STF por meio de ações que questionam ou pedem para confirmar a validade da lei. Gilmar, então, enviou as ações para conciliação para dar um fim ao que chama de “espiral de conflito”. O tema foi discutido em uma comissão sobre o tema ao longo de 23 audiências. Participaram representantes da União, do Congresso, dos Estados e municípios e dos partidos que ajuizaram as ações. Já a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que representaria os indígenas no grupo, decidiu deixar a mesa de conciliação na segunda audiência.

A condição dos indígenas para permanecer na conciliação era a suspensão temporária da Lei do Marco Temporal enquanto as negociações ocorressem. O argumento era que a manutenção dos efeitos da lei produzia insegurança jurídica e aumentava os conflitos fundiários e a violência contra os povos. O pleito foi negado por Gilmar, e a lei continuou válida.

A comissão foi encerrada em junho com poucos avanços, sem excluir a tese do marco temporal por falta de consenso entre os membros. O Supremo deve avaliar se homologa ou não o acordo e também irá se pronunciar sobre pontos em que não houve consenso.

Gilmar tem indicado que deve descartar a tese do marco temporal em si, porque ela já foi declarada inconstitucional pela Corte. Mas o ministro deve buscar manter mudanças propostas na comissão sobre os procedimentos de demarcação. Um desses pontos é a obrigatoriedade de participação de Estados e municípios onde se localiza a área reivindicada, em todas as etapas do processo.

A minuta apresentada pela comissão também propôs que a Funai deverá deixar públicos todos os dados sobre as demarcações em seu site, como a lista de reivindicações fundiárias indígenas, a lista de procedimentos em curso e o acesso aos processos de demarcação em andamento.

Se o produto da comissão for homologado, o texto será enviado ao Congresso, que poderá realizar alterações ou até mesmo engavetá-lo.

Indenização

Outro ponto que deve voltar a ser discutido agora pela Corte é a indenização aos proprietários que perderem suas terras no processo de demarcação. Quando o Supremo derrubou a tese do marco temporal, os ministros definiram que os proprietários que ocupavam os territórios de boa-fé têm direito à indenização, a ser paga pela União. Mas ainda restaram dúvidas sobre esse ponto.

Em agosto, na mesa de conciliação, o gabinete de Gilmar apresentou uma proposta para tirar do arcabouço fiscal as indenizações por desapropriação e, assim, acelerar os processos. Essa proposta pode agora ser levada por Gilmar ao plenário do Supremo.

A sugestão do ministro envolve a emissão de precatórios negociáveis no mercado, que poderiam ser usados para abater o pagamento de tributos. De acordo com o juiz auxiliar de Gilmar, Diego Veras, a sugestão foi elaborada com economistas e especialistas em contas públicas e seria mais atrativa do que a negociação de precatórios que já existe hoje.