Qualquer média ou grande empresa que preze pelo chamado “compliance” (conjunto de normas e ferramentas de boas práticas corporativas e respeito às leis) possui regras rígidas de contratação de funcionários, fornecedores e prestadores de serviços. Além, claro, das demais questões de ESG (sustentabilidade ambiental, social e governança).

Uma das mais observadas e obedecidas (regras) se refere ao relacionamento profissional ou comercial com parentes diretos de altos executivos ou mesmo responsáveis por setores produtivos da companhia. Via de regra não se contrata, ou se compra, quando o parentesco pode influenciar ou interferir diretamente na escolha.

O leitor e a leitora mais atentos souberam que ontem, domingo (20), o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para considerar legal a atuação de magistrados em processos em que parentes – inclusive os de primeiro grau – atuem como advogados. Sim, é isso mesmo, o (a) amigo(a) não entendeu mal, não.

Não há princípio mais caro e necessário à justiça que isenção, imparcialidade. Ora, magistrados são seres humanos e grande parte de suas decisões embasam-se não apenas na letra fria das leis, mas na discricionariedade da interpretação destas, ou seja, no olhar do homem (como espécie) sobre o tema em litígio.

Assim, como afastar a interpessoalidade entre julgador e advogado em caso de parentesco direto? Como fazer para não se levar em conta os argumentos, por exemplo, do marido ou da esposa? A resposta honesta é a da impossibilidade, mas quem está preocupado com isso quando o contracheque e a nota fiscal estão em jogo?

O judiciário brasileiro enfrenta grave crise de confiança e não é à toa. Desde os holofotes sobre a Suprema Corte durante o julgamento do Mensalão, a sociedade descobriu que existem onze capas-pretas, em Brasília, que tudo podem e tudo fazem. Muitas vezes, inclusive, infelizmente, em desacordo com o que prometeram cuidar.

Nos tribunais regionais são recorrentes as notícias de compra e venda de sentenças, muitas vezes envolvendo desembargadores e escritórios de advocacia de familiares diretos ou de colegas de tribunal. Quando pilhados, a punição costuma vir através de uma aposentadoria compulsória e polpudos proventos vitalícios.

A Constituição Federal preconiza que todos são iguais perante a lei, mas eis aí, na decisão da Casa guardiã da Carta, a prova de que, no Brasil, uns são sempre mais iguais que outros. Cristiano Zanin, ex- advogado amigo – ou ex-amigo advogado, tanto faz – do presidente Lula, hoje ministro do STF, votou a favor da legalidade.

Pode ser coincidência, é claro, mas sua esposa é titular de um escritório de advocacia (onde o próprio era sócio) que patrocina, atualmente, quatorze ações no Supremo. Se isso não configura “conflito de interesses” – um processo onde marido e mulher são partes -, sinceramente, não sei mais o que configuraria. Vai ver sou chato demais.