Primeira turma do STF não tem competência para julgar processo, afirma Fux

Luiz Fux
Luiz Fux vota em julgamento sobre trama golpista Foto: Rosinei Coutinho/STF

O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, afirmou nesta quarta-feira, 10, durante seu voto que a Corte não tem competência para julgar o processo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus por suposta tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022.

O magistrado iniciou o seu voto destacando que a Primeira Turma do STF está julgando pessoas sem prerrogativa de foro. Antes, as defesas dos réus haviam argumentado sobre a incompetência do Supremo ajuizar sobre a ação penal.

“Compete ao STF principalmente a guarda da Constituição, cabendo-lhe processar e julgar originariamente nas infrações penais comuns o presidente da República, o vice-presidente da República, os membros do Congresso Nacional, seus próprios ministros e o PGR. O primeiro pressuposto que o ministro deve analisar antes de ingressar na denúncia ou petição inicial é verificar se ele é competente”, relatou.

Em seguida, Fux disse que a prerrogativa de foro teve inúmeras modificações, o que provocou uma “certa banalização dessa interpretação constitucional”. Para o magistrado, a medida poderia ocasionar a criação de um “tribunal de exceção”.

“Os réus desse processo, sem nenhuma prerrogativa de foro, perderam os seus cargos muito antes do surgimento do atual entendimento. O atual entendimento é recentíssimo, desse ano”, emendou.

Em março deste ano, a Primeira Turma do STF rejeitou a preliminar das defesas dos réus que não do era competente para julgar o caso, visto que há uma jurisprudência na Corte de que, crimes praticados no exercício do cargo, a prerrogativa de foro de mantém mesmo após a autoridade ter deixado sua função pública.

Na ocasião, Moraes observou que, em 1.494 ações, o tribunal reafirmou seu competência para julgar todas as ações relacionadas à tentativa de golpe de Estado e aos atos antidemocráticos do 8 de janeiro de 2023.

Fux ainda defendeu que o caso deveria ter sido julgado pelo plenário do STF. “Ao rebaixar a competência original do plenário para uma das turmas, estaríamos silenciando as vozes de ministros que poderiam esterilizar a formar de pensar sobre os fatos a serem julgados nesta ação penal”, completou.

Em seguida, o magistrado passou a tratar sobre a preliminar de cerceamento de defesa, pois os advogados dos réus alegaram que havia um “tsunami” de dados e pouco tempo para analisá-los.

“Por isso senhor presidente e egrégia turma, em razão da disponibilização tardia de um tsunami de dados sem identificação suficiente, eu confesso que tive dificuldade para elaborar o voto e acolho a preliminar de violação à garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa e reconheço a ocorrência de cerceamento e, por consequência, declaro a nulidade do processo desde o recebimento da denúncia”, destacou Fux.

Da trama ao tribunal

Na campanha frustrada para se reeleger, em 2022, Bolsonaro reuniu ministros, embaixadores estrangeiros e discursou para descredibilizar o sistema eleitoral brasileiro, sugerindo ser vítima de uma fraude. Mais de 44 horas após o fechamento das urnas, admitiu a derrota, mas não desmobilizou apoiadores que bloqueavam estradas e acampavam em frente a quartéis do Exército, pedindo intervenção militar.

Conforme as investigações da Polícia Federal, o então presidente e um grupo de aliados — os outros sete integrantes do ‘núcleo 1’, réus no julgamento desta semana — articulavam alternativas para reverter a decisão popular naquele período.

Bolsonaro recebeu e editou documentos que dariam embasamento jurídico à ruptura institucional, se reuniu com os comandantes das Forças Armadas para consultar a anuência das tropas à ideia e teve conhecimento de um plano para executar o presidente Lula (PT), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro Alexandre de Moraes antes da troca de governo.

Em 30 de dezembro, às vésperas de concluir o mandato, Bolsonaro viajou para os Estados Unidos, não passou a faixa presidencial ao sucessor e só retornou ao país depois de três meses. Na ausência do político, apoiadores mantiveram os acampamentos em frente a quartéis, amplificaram as manifestações e invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes da República, em Brasília, em tentativa derradeira de mobilizar uma intervenção militar.

Em fevereiro de 2024, a PF deflagrou a Operação Tempus Veritatis, primeira a cumprir mandados relativos ao plano golpista, com base na delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Em novembro, foi a vez da Operação Contragolpe, cujas apurações ampliaram o comprometimento do ex-presidente com a trama. As investigações embasaram uma denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República), enviada ao STF em fevereiro de 2025.

Em março, Bolsonaro e os demais acusados de idealizarem e planejarem a ruptura tornaram-se réus no tribunal, que os acusou de cinco crimes, cujas penas, somadas, podem chegar a 43 anos de prisão:

– Organização criminosa armada;
– Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
– Golpe de Estado;
– Dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima;
– Deterioração de patrimônio tombado.

Para os advogados do ex-presidente, os episódios descritos na denúncia da PGR são políticos e, quando muito, atos preparatórios que não podem ser punidos criminalmente; por sua vez, os documentos que descreviam o plano de ruptura não têm assinatura ou valor de fato. Bolsonaro admitiu ter discutido “possibilidades” com os chefes das Forças Armadas após perder a eleição, mas disse não ter cogitado usurpar a democracia e repete que não há golpe sem tanques de guerra na rua.