O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria, nesta quinta-feira (21), contra a tese do marco temporal, um julgamento considerado chave para o futuro dos povos originários e suas terras ancestrais, que são vistas como uma barreira importante conta o desmatamento.

Com o voto, nesta quinta, dos ministros Luiz Fux e Cármen Lúcia, sete dos onze juízes que compõem o STF rejeitaram a tese, defendida pelo poderoso lobby agropecuário, que só reconhece como territórios indígenas aqueles ocupados pelos povos originários quando a Constituição foi promulgada, em 1988.

“Essas terras ocupadas devem ter a proteção do Estado”, afirmou Luiz Fux ao justificar seu voto.

“Nós estamos a cuidar da dignidade étnica de um povo que foi dizimado e oprimido durante cinco séculos de história”, disse Cármen Lúcia ao comentar o seu.

A tese do marco temporal ameaçava quase um terço das mais de 700 reservas indígenas já demarcadas no país, a maioria na Amazônia, segundo a ONG Instituto Socioambiental.

A demarcação garante a estes povos o direito a ocupar suas terras ancestrais, bem como o uso exclusivo de seus recursos naturais.

Até agora, sete magistrados votaram contra o marco temporal, dois a favor e outros dois ainda devem se pronunciar.

No entanto, como o Supremo já formou maioria sobre o tema, uma decisão contrária está impossibilitada.

O STF ainda deve decidir se prevê indenizações para alguns donos de terras que seriam transformadas em reservas.

A Associação de Povos Indígenas do Brasil (Apib) comemorou a “Vitória!” na rede social X (antigo Twitter). “O julgamento continua e seguimos na atenção para que nenhum direito seja negociado!”, completou.

Considerado o “julgamento do século” pelos indígenas, o processo começou em agosto de 2021, mas precisou de onze sessões para chegar a uma maioria.

O STF, guardião da Constituição, se manifestou concretamente a respeito de uma disputa sobre o território Ibirama-Laklano, em Santa Catarina.

Em 2009, uma sentença de primeira instância tirou do território o status de reserva, com o argumento de que as comunidades que o ocupavam não viviam ali em 1988.

Mas o veredicto poderá afetar muitas outras terras em disputa.

Como ocorreu nas sessões anteriores, representantes dos povos indígenas se mobilizaram em Brasília para acompanhar o julgamento nesta quinta.

– Em debate no Congresso –

Os indígenas rejeitam a tese do marco temporal, argumentando que muitos povos originários foram expulsos de suas terras ancestrais ao longo da História, especialmente durante a ditadura militar (1964-1985).

A hipótese tem o apoio de representantes do poderoso agronegócio, que consideram este limite necessário para dar “segurança jurídica” aos grandes produtores rurais.

Os dois ministros do STF que votaram a favor do marco temporal – André Mendonça e Kassio Nunes Marques – foram nomeados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022), aliado dos ruralistas, em cuja gestão o desmatamento disparou.

O resultado do julgamento também é acompanhado de perto por organizações ambientalistas.

Muitos cientistas consideram as terras indígenas protegidas pelo Estado barreiras contra o desmatamento e estratégicas na luta contra o aquecimento global.

O tema também está em discussão no Congresso. Em maio, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que valida o limite temporal na demarcação de terras, o que foi considerado um revés para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, defensor declarado das causas indigenistas.

Uma votação sobre esse projeto de lei está prevista na próxima semana em uma comissão do Senado.

Desde que iniciou o terceiro mandato, Lula determinou a demarcação de oito novas terras indígenas.

Bolsonaro, por sua vez, cumpriu a promessa de não demarcar nem um centímetro de terras indígenas durante o seu governo.

Segundo dados da Funai, as terras indígenas ocupam 13,75% do território brasileiro.

De acordo com o IBGE, vivem no Brasil cerca de 1,7 milhão de indígenas dentro e fora de reservas, dos 203 milhões de habitantes do país.

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