STF começa a ouvir os principais réus da trama golpista

STF começa a ouvir os principais réus da trama golpista

"MinistroPrimeiro a depor foi Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Militar confirmou que houve tentativa de golpe de Estado e citou apoio das Forças Armadas. Ex-presidente e ex-ministros devem depor nos próximos dias.O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a ouvir, nesta segunda-feira (09/06), os principais acusados de tramar um golpe de Estado após a derrota de Jair Bolsonaro nas eleições de 2022.

O primeiro réu a depor foi o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Bolsonaro.

Cid, assim como Bolsonaro e outros seis ex-auxiliares de seu governo, é acusado de integrar o chamado "núcleo crucial" da trama golpista. O militar depôs primeiro porque fechou um acordo de delação premiada com a Polícia Federal (PF).

Cid confirmou que houve tentativa de golpe de Estado e que "presenciou grande parte dos fatos, mas não participou deles". O militar, contudo, negou que tivesse conhecimento prévio dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.

Depois dele, os depoimentos seguem em ordem alfabética. Por isso, o próximo a depor foi o deputado federal e ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem.

Bolsonaro e os demais réus (veja lista no final deste texto) acompanham pessoalmente a sessão no STF. Eles devem ser ouvidos ouvidos nos próximos dias.

Abaixo, os principais pontos do depoimento de Mauro Cid.

Minuta do golpe

Segundo Cid, Bolsonaro recebeu no fim de 2022 a minuta de um decreto que previa a criação de uma comissão para organizar novas eleições.

Esse rascunho também mencionava a prisão de ministros do Supremo e membros do Legislativo, dentre outras autoridades. Cid afirmou que Bolsonaro alterou esse trecho do documento e manteve apenas a prisão do ministro Alexandre de Moraes.

"Ele enxugou o documento, basicamente retirando as prisões das autoridades. Somente o senhor ficaria como preso", disse Cid.

Apoio dos militares

Em determinado momento, Cid foi indagado pelo PGR Paulo Gonet se ele confirmava declaração prestada em depoimento anterior de que a nota dos chefes das Forças Armadas que autorizou a permanência do acampamento golpista em frente ao quartel-general do Exército em 11 de novembro de 2022 havia sido emitida por ordem de Bolsonaro.

Cid respondeu não ter presenciado essa ordem sendo dada, mas disse que "havia um entendimento de que as Forças Armadas precisavam apoiar os manifestantes lá nos quartéis". "Foi uma dedução [de que houve ordem de Bolsonaro] baseada no contexto que a gente estava vivendo", justificou-se Cid.

Cid afirmou ainda ter ouvido do general Estevam Theophilo, ex-chefe do Comando de Operações Terrestres e também réu no STF nos processos da trama golpista, que o Exército cumpriria uma ordem golpista de Bolsonaro caso ele determinasse por decreto. À época, o militar fazia parte do Alto Comando do Exército.

"Eles [o Alto Comando do Exército] não fariam nada que quebrasse um elo de legalidade. Para que alguma coisa fosse feita tinha que ter uma ordem, e essa ordem tinha que vir do presidente", disse. "Isso foi um bate-papo informal com ele [Theophilo] na entrada do Alvorada."

Dinheiro vivo

Cid contou ao STF que foi procurado pelo tenente-coronel Rafael de Oliveira, que lhe apresentou um orçamento e pediu dinheiro.

Cid alega que achava que o dinheiro era para trazer manifestantes ao acampamento golpista em frente ao quartel-general do Exército em Brasília, e diz que pediu ajuda a Braga Netto, general da reserva do Exército.

À época, Braga Netto era candidato a vice na chapa de Bolsonaro; antes disso, ele havia servido ao ex-presidente como ministro da Casa Civil (2020-2021) e Defesa (2021-2022).

Cid diz ter recebido de Braga Netto uma caixa de vinho cheia de dinheiro, entregue a ele no Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência, e repassada a Oliveira – "kid preto" que, segundo a PF, planejou o assassinato do ministro Moraes e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu vice, Geraldo Alckmin.

"O general Braga Netto trouxe uma quantia em dinheiro, que eu também não sei precisar quanto foi, mas com certeza não foi uns R$ 100 mil, porque, até pelo volume, devia ser…", disse, afastando os dedos polegar e indicador de uma mão para indicar o volume do maço de dinheiro.

Questionamento das urnas eletrônicas

Ainda segundo Mauro Cid, Bolsonaro pressionou o então ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira em 2022 a produzir um relatório "duro" contra as urnas eletrônicas.

O Tribunal Superior Eleitoral havia convidado as Forças Armadas a participar de uma comissão de fiscalização do pleito.

Cid confirmou que Paulo Sérgio já tinha um relatório pronto sobre as urnas e estava com reunião marcada no TSE para apresentá-lo, mas que desmarcou por pressão de Bolsonaro.

No fim das contas, o relatório dos militares adotou um tom ambivalente: ao mesmo tempo em que eles reconheciam não ter encontrado nenhuma fraude, a instituição frisou que não era possível descartar essa possibilidade.

À época, Bolsonaro fazia críticas recorrentes ao voto eletrônico, sem contudo jamais ter apresentado qualquer evidência de fraude. Para a Procuradoria-Geral da República, esses ataques às urnas visavam legitimar uma possível intervenção militar.

Próximos passos

Depois de Cid, os demais sete réus da trama golpista serão ouvidos em ordem alfabética. São eles:

Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin)
Almir Garnier, ex-comandante da Marinha
Anderson Torres, ex-ministro da Justiça
Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI)
Jair Bolsonaro, ex-presidente
Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa
Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e ex-vice na chapa de Bolsonaro

O grupo é acusado dos seguintes crimes: abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, organização criminosa, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Somadas, as penas podem chegar a 44 anos.

ra (ots)