O Supremo Tribunal Federal (STF) avançou, nesta quarta-feira (30), no julgamento do marco temporal, chave para os povos indígenas e seus territórios ancestrais, considerados uma barreira importante contra o desmatamento.

O julgamento, que foi retomado e adiado diversas vezes nos últimos anos, decidirá se a tese do marco temporal será validada ou rejeitada. Essa tese reconhece apenas como territórios indígenas aqueles ocupados pelos povos originários quando a Constituição foi promulgada, em 1988.

Nesta quarta-feira, o ministro André Mendonça se posicionou a favor do marco temporal, deixando o resultado parcial em dois votos favoráveis e dois contrários.

Descartar essa tese para a demarcação de terras “é uma solução cujo nível de insegurança, penso, afasta por si só qualquer possibilidade de justiça”, argumentou o ministro.

As deliberações continuarão nesta quinta-feira para a votação dos outros sete juízes do STF.

“O marco temporal ignora nosso direito originário ao território ancestral, já reconhecido na Constituição, coloca em risco os territórios já demarcados e inviabiliza novas demarcações”, disse à AFP, antes do julgamento, o advogado indígena Dinamam Tuxá, coordenador da Associação de Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Cerca de 800 indígenas, inclusive Tuxá, fizeram uma passeata nesta quarta-feira em Brasília em direção ao STF, onde instalaram um telão para acompanhar o julgamento, constatou um fotógrafo da AFP.

O cacique Raoni Metuktire, ativista dos direitos dos indígenas reconhecido internacionalmente, também estava em Brasília e entrou no STF para acompanhar a sessão.

Associações de indígenas e ativistas repudiam a tese do marco temporal, argumentando que muitos povos originários foram expulsos de seus territórios ancestrais ao longo da História, especialmente durante a ditadura militar (1964-1985).

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) alertou que a eventual legitimação dessa tese “seria um grave retrocesso para os direitos dos Povos Indígenas no Brasil, contrariando as normas internacionais de direitos humanos”, em uma nota divulgada nesta quarta-feira pelo escritório de Direitos Humanos na América do Sul.

O Supremo vai se manifestar concretamente sobre o caso do território Ibirama-Laklano, em Santa Catarina, mas o veredicto terá repercussão geral e poderia afetar muitas outras terras em disputa.

O ministro Alexandres de Moraes, que votou contra o limite temporal de 1988, propôs que o Estado indenize os produtores rurais que tiverem ocupado e adquirido terras regularmente e de boa-fé.

Os indígenas se preocupam de que a proposta receba o apoio de outros ministros, pois a consideram um “prêmio aos invasores”, segundo a Apib.

Eles também protestam contra o avanço no Congresso Nacional de um projeto de lei que institui o marco temporal como critério para a demarcação e, segundo seus críticos, abriria a porta para a exploração econômica de suas terras.

Segundo dados do censo, a população indígena no Brasil é de cerca de 1,7 milhão de pessoas, o equivalente a 0,83% dos 203 milhões de habitantes do país.

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