O Supremo Tribunal Federal abriu maioria parcial, nesta quinta-feira (31), a favor dos povos indígenas no julgamento sobre o marco temporal na demarcação de seus territórios ancestrais, considerados por especialistas uma barreira importante contra o desmatamento.

No julgamento, que foi retomado na quarta, após um adiamento em junho – o mais recente de uma série que pôs entraves ao trâmite iniciado em agosto de 2021 -, o STF decide se valida ou rejeita a tese do “marco temporal”.

Esta só reconhece como territórios indígenas aqueles ocupados pelos povos originários quando a Constituição foi promulgada, em 1988.

Nesta quinta, os ministros Cristiano Zanin e Luís Roberto Barroso votaram contra o marco temporal, que restringe novas homologações de terras, deixando o resultado parcial em quatro votos contrários e dois favoráveis.

“Verifica-se a impossibilidade de impor qualquer tipo de marco temporal em desfavor dos povos indígenas, que possuem proteção da posse exclusiva desde o Império, a partir de 1734 (..) A garantia da permanência dos povos indígenas nas terras tradicionalmente ocupadas é indispensável para a concretização dos direitos fundamentais básicos desses povos”, justificou Zanin.

Barroso, por sua vez, disse que “não existe um marco temporal fixo e inexorável” e que “a ocupação tradicional pode ser demonstrada por diversos mecanismos”.

Na quarta-feira, ao dar o único voto do dia, o ministro André Mendonça se posicionou a favor do marco temporal.

Segundo Mendonça, descartar esta tese na demarcação de terras “é uma solução cujo nível de insegurança afasta por si só qualquer possibilidade de justiça”.

Depois dos votos de Zanin e Barroso, o julgamento foi suspenso nesta quinta e deve continuar na próxima semana, com os votos dos demais cinco ministros que integram o STF.

“O marco temporal ignora nosso direito originário ao território ancestral, já reconhecido na Constituição, coloca em risco os territórios já demarcados e inviabiliza novas demarcações”, disse à AFP, antes do julgamento, o advogado indígena Dinamam Tuxá, coordenador da Associação de Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Vários povos indígenas foram a Brasília esta semana, em alerta pelo impacto potencial da decisão para suas comunidades.

Associações de indígenas e ativistas repudiam a tese do marco temporal, argumentando que muitos povos originários foram expulsos de seus territórios ancestrais ao longo da História, especialmente durante a ditadura militar (1964-1985).

O Supremo vai se manifestar concretamente sobre o caso do território Ibirama-Laklano, em Santa Catarina, mas o veredicto terá repercussão geral e poderia afetar muitas outras terras em disputa.

O ministro Alexandres de Moraes, que votou contra o limite temporal de 1988, propôs que o Estado indenize os produtores rurais que tiverem ocupado e adquirido terras regularmente e de boa-fé.

Os indígenas se preocupam de que a proposta receba o apoio de outros ministros, pois a consideram um “prêmio aos invasores”, segundo a Apib.

Segundo dados do censo, a população indígena no Brasil é de cerca de 1,7 milhão de pessoas, o equivalente a 0,83% dos 203 milhões de habitantes do país.

msi/raa/mvv/am