O caso da entrega de bandeja de carne vazia para uma moradora do Jardim Ângela, na Zona Sul da capital paulista, chamou atenção nas redes sociais. A denúncia foi feita por Fabiana Ivo em seu Facebook para alertar que a unidade da rede Extra da região entregou o pedido de 500 gramas de patinho sem carne. Isso mesmo, o produto só é liberado pelo estabelecimento após a confirmação do pagamento.

No entanto, em outra unidade da rede, especificamente na avenida Brigadeiro Luís Antônio, o procedimento é diferente. O cliente faz o pedido, o funcionário etiqueta o produto e entrega ao destinatário. Ambos os estabelecimentos estão localizados na Zona Sul, mas a primeira unidade fica na região de periferia paulistana, enquanto o segundo mercado da rede fica próximo da Avenida Paulista.

O objetivo era o mesmo: comprar 500 gramas de patinho em um açougue da rede Extra, em São Paulo. As formas de compra, porém, variavam de acordo com o endereço. No hipermercado da av. Brigadeiro Luís Antônio, a um quarteirão da av. Paulista, o procedimento é padrão. O açougueiro prepara a carne, etiqueta a embalagem e a entrega ao cliente. A 22 quilômetros dali, na unidade do Jardim Ângela, na periferia da Zona Sul, o expediente é outro: a carne é pesada, mas o consumidor recebe uma bandeja vazia e só tem acesso ao produto depois de pagar por ele, no caixa.

O relato é da educadora Fabiana Ivo, gestora operacional da Articuladora de Negócios de Impacto da Periferia (Anip). Fabiana é ex-moradora do Jardim Ângela e se deu conta da prática ao comprar carne para a mãe, que ainda vive no bairro, na quinta-feira (14). A coluna convidou a educadora a retornar ao supermercado no sábado. Nos dois dias, recebeu uma bandeja vazia até que pagasse pelo total das compras.

“O que os funcionários me contaram é que essa prática já tem quase um ano. Começou pelo aumento dos roubos na pandemia, com as pessoas pegando a carne e descartando a bandeja. Também disseram que acontece a mesma coisa em outros [pontos do] Extra nas periferias”, afirma. No caso de Fabiana, a entrega mediante pagamento foi requerida na compra de patinho — 1 kg no dia 14, 500 gramas no dia 16. Ela também registrou o mesmo procedimento com outro cliente que levava peito de frango. “Linguiça e carne de porco são entregues na hora. Os freezers de livre acesso têm frango, porco, carne de segunda e outras partes menos nobres”. Bovina de primeira, segundo ela, só depois do pagamento. “Perguntei se seria possível levar a carne e pagar no caixa. Me disseram que não. A gente paga o código de barras da bandeja vazia e só aí um funcionário vai até o balcão onde ficam as compras e pega o produto”, disse a gestora operacional da Articuladora de Negócios de Impacto da Periferia (Anip) ao UOL.

Ao colunista do UOL Rodrigo Ratier, a rede Extra se pronunciou sobre o caso:

“A rede informa que este procedimento não faz parte de sua política de atendimento, trata-se de uma falha pontual de procedimento. Assim que teve conhecimento do fato, a loja tomou providências para que a prática fosse imediatamente descontinuada. A rede segue à disposição para quaisquer esclarecimentos.”

O advogado Igor Rodrigues Britto, diretor de relações institucionais do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) disse ao UOL que a prática não é permitida.

“O Código de Defesa do Consumidor proíbe em diversas disposições que pessoas consumidoras recebam tratamento discriminatório de qualquer natureza”, afirma.

“A sensação é horrível, uma afronta à população das quebradas. Vi mais gente revoltada dentro do mercado por estar segurando bandejinha e não a carne. Outros parecem que já se conformaram com uma situação que não deveria ser naturalizada”, revelou Fabiana.