A Justiça Militar de São Paulo absolveu na quarta-feira, 18, policiais militares acusados de tortura durante uma abordagem, que ocorreu em junho de 2023, em que amarraram pelos pés e mãos um homem de 32 anos que havia furtado chocolates em um mercado na Vila Mariana, bairro na zona sul da capital paulista, depois de o sujeito resistir a prisão.

De acordo com a sentença de 196 páginas do juiz Ronaldo João Roth, divulgada pelo “SPTV 2ª Edição”, da TV Globo, os agentes não cometeram nenhum crime e precisaram amarrar o homem para que ele não utilizasse seus membros para agredi-los. “Inicialmente tentaram somente algemá-lo, sem sucesso”, pontuou o magistrado.

+ Homem amarrado por PMs: defesa alega furto por fome e pede soltura de suspeito

+ Homem amarrado por PMs: ‘bom policial não vai ser condenado previamente’, diz secretário de SP

Conforme o juiz, o uso da corda é um procedimento lícito e utilizado pela Polícia Militar. “A vítima não reclamou ter sofrido nenhum sofrimento, abuso, humilhação ou agressão por quaisquer dos PMs que o prenderam naquele dia”, escreveu Roth no documento, acrescentando que uma avaliação médica constatou que o homem não teve lesões.

Em contato com o site IstoÉ, o advogado João Carlos Campanini, que defendeu dois dos agentes acusados de tortura, afirmou por meio de nota que a decisão foi justa. “Não havia outra saída para os policiais militares nessa ocorrência que não fosse conter o indivíduo para que não causasse danos a si e a outras pessoas”, declarou.

Procurado, o advogado José Luiz de Oliveira Júnior, da defesa do homem amarrado, comentou ao site IstoÉ que sente repúdio pela sentença da Justiça Militar. “Eles mostraram ao País inteiro que nós vivemos um Apartheid sutil, institucionalizado e muito bem engendrado”, afirmou. “O Tribunal de Justiça Militar precisa deixar de ser corporativista, precisa ter coragem de cortar a própria carne. Isso é uma evolução necessária.”

O Tribunal de Justiça Militar ressaltou que as partes ainda podem recorrer.

Relembre o caso

Um homem negro suspeito de furtar chocolates em um supermercado teve os pés e mãos amarrados com uma corda por policiais militares na Vila Mariana, no sul de São Paulo. Imagens de um vídeo publicado em redes sociais mostram o homem gritando enquanto era carregado por dois policiais no interior de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA).

Conforme o registro feito pelos policiais na Polícia Civil, três homens teriam entrado na loja de uma rede de supermercados, na zona sul da capital, e furtado produtos alimentícios e bebidas, avaliados em aproximadamente R$ 500.

A gerência do estabelecimento acionou a PM e os policiais encontraram próximo do local o homem negro, de 32 anos, com duas caixas de chocolate. Segundo os policiais, ele teria confessado o furto, na companhia de outro homem e de um menor de idade.

Ainda segundo a versão dos PM, o suspeito teria ameaçado “pegar a arma deles” e dar tiros. Como o homem teria se negado a se sentar para ser revistado, segundo o registro, foi “necessário o uso da força para algemá-lo”.

Outros policiais patrulharam a região e detiveram os outros dois suspeitos do furto – um homem de 38 anos e um menor de 15 anos. Eles foram identificados pelas roupas e teriam confessado o furto.

Os dois também foram levados para a UPA da Vila Mariana. Os dois adultos vão responder por furto qualificado e corrupção de menores, devido à presença do menor de 15 anos. O homem que foi amarrado responderá também por ameaça e resistência à prisão.

O ouvidor das Polícias de São Paulo, Claudio Silva, disse que as cenas remetem à tortura e racismo. “Essa postura dos policiais enseja para nós um diálogo com a PM e a Secretaria de Segurança Pública e com a comunidade para discutir esse modelo de abordagem”, afirmou.

Na época, a PM informou em nota que os policiais envolvidos no caso foram afastados das atividades operacionais e que um inquérito foi aberto para apurar a conduta dos agentes de segurança.

Segundo a corporação, a conduta dos agentes é incompatível com o treinamento e valores da instituição, uma vez que as imagens mostram que eles agiram “em desacordo com os procedimentos operacionais padrão da instituição”.

*Com informações do Estadão