A Associação Mata Ciliar foi pega de surpresa nesta quarta-feira (3) pelo início de uma obra do Departamento de Água e Esgoto (DAE) de Jundiaí, no interior de São Paulo, em uma área reflorestada pela entidade. Conforme a associação, o desmatamento no local está colocando em risco a vida de mais de 1.300 animais que vivem na região.

A obra de saneamento está ocorrendo dentro do terreno onde fica a associação, para a realização de uma canalização do Córrego Bonifácio. Segundo a prefeitura de Jundiaí, a obra conta com licenciamento ambiental da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) e todas as autorizações necessárias (leia o posicionamento completo da prefeitura abaixo).

No entanto, para a entidade, a DAE e a prefeitura da cidade não levaram em consideração o levantamento que demonstra a rica biodiversidade local, contando inclusive com espécies de vida livre que são ameaçadas de extinção.

“O impacto é imenso”, ressaltou Cristina Hamuri Adania, veterinária e coordenadora de fauna da Associação Mata Ciliar, de Jundiaí. “Esses animais saindo daqui não têm mais para onde ir”, explicou Cristina, que acrescentou o risco dos animais serem atropelados ao fugirem para rodovias e avenidas de grande circulação da região.

A entidade ressaltou ainda que a maioria dos animais abrigados no local estão em processo de reabilitação e o barulho da obra pode prejudicar a recuperação deles e até mesmo levar os animais a óbito, por conta do estresse.

“A movimentação de pessoas é muito grande, de equipamentos, de tratores, caminhão, a própria derrubada de árvores, e a distância do local da obra para onde estão esses animais é muito curta”, afirmou Samuel Nunes, coordenador de Comunicação da Mata Ciliar.

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Obra começou sem aviso

De acordo com a associação, há cerca de dois anos, a prefeitura e a entidade têm conversado sobre a realização da canalização do córrego. Mesmo com a obra licenciada, a entidade ressaltou que há diversos impactos para a fauna e a flora do local que não foram levados em consideração.

Em fevereiro deste ano, a associação foi informada de que a obra seria iniciada. No entanto, após uma reunião com a prefeitura, a administração municipal garantiu à entidade que os trabalhos não seriam iniciados até que os responsáveis pela canalização do córrego apresentassem respostas aos problemas levantados pela associação. “Surpreendentemente, hoje as obras começaram sem que essas respostas fossem dadas”, afirmou Samuel.

“Eles chegaram hoje e foram derrubando, até que a gente entrou na frente. Se não tivéssemos entrado na frente, eles iam derrubar tudo até o final”, explicou o porta-voz da entidade.

A Associação Mata Ciliar, entidade sem fins lucrativos, cuida há mais de 25 anos de animais abandonados ou feridos. A maioria, após ser recuperada, é devolvida à natureza. A entidade chegou no local após um acordo com o Centro Paula Souza, para um trabalho de educação ambiental.

“Quando a gente chegou aqui, há mais de 25 anos, a área era só pasto, braquiária. Atualmente, já plantamos mais de 20 mil mudas de árvores nativas e é essa mata que eles querem derrubar”, ressaltou Cristina.

A coordenadora de fauna da Associação Mata Ciliar ressaltou ainda que a entidade não é contra a obra e que “existe a possibilidade de passagem de fauna”. Porém, segundo Cristina, a medida precisa de ser discutida e necessita de investimento.

Outro lado

Procurada pela reportagem da ISTOÉ, a DAE Jundiaí informou, em nota enviada por meio da prefeitura da cidade, que a obra “vai beneficiar cerca de 600 moradores da região, além das Mata Ciliar, clube Uirapuru e Escola Técnica Benedito Storani, que hoje se utilizam de fossas”.

Ainda conforme a prefeitura, as obras contam com licenciamento ambiental da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb).

Leia a íntegra da nota:

“A DAE Jundiaí informa que, com o objetivo de alcançar a universalização do saneamento, tiveram início as obras de implantação de um interceptor de esgoto no Jardim Aeroporto, bairro também conhecido como “Casinha Branca”.

Serão executados 2.890 metros de extensão de rede, no trecho entre a Associação Mata Ciliar (área pertencente ao Governo do Estado) e o clube Uirapuru, ao longo do córrego, em uma faixa de cinco metros. A implantação vai beneficiar cerca de 600 moradores da região, além das Mata Ciliar, clube Uirapuru e Escola Técnica Benedito Storani, que hoje se utilizam de fossas.

As obras contam com licenciamento ambiental da Cetesb, por meio do Processo nº 000003601233/2020 e da Autorização nº 0000008661/2021, emitida em 26 de janeiro de 2021, Decreto de Utilidade Pública assinado pelo Governo do Estado (nº 65.305, de 25 de novembro de 2020) e um Termo de Autorização de Uso, firmado com a Procuradoria Geral do Estado, por meio da Consultoria Jurídica da Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento.

Além disso, foi definido um Termo de Responsabilidade de Preservação de Reserva Legal (nº 0000003874/2021), que determina que a mata retirada seja alvo de uma compensação ambiental, a ser realizada na área da Serra do Japi. As informações estão expressas em placa instalada no local.

O tema é de conhecimento dos moradores e da equipe da Mata Ciliar, com quem a DAE mantém tratativas há mais de um ano. Além disso, em 8 de fevereiro de 2021, a equipe da Associação participou de uma reunião sobre o assunto, com a Prefeitura e a DAE, além do deputado estadual Alexandre Pereira. Dentro da área da Mata Ciliar, o prazo de execução é de 60 dias. A previsão é de que a obra seja concluída em sua totalidade em até seis meses.”