Durante os 84 dias de batalhas, na Revolução de 1932, as forças federais ocuparam a cidade de Jacutinga, no sul de Minas, para combater as tropas de São Paulo, aquarteladas do outro lado da divisa, na paulista Itapira. Passados 86 anos do conflito, tempo que serviu para curar as feridas abertas pela guerra, as duas cidades dão-se as mãos para resgatar a memória do maior conflito interno brasileiro. Um roteiro ecoturístico de 75 quilômetros percorre áreas urbanas, fazendas, rios e montanhas que foram o cenário de tiroteios, bombardeios e confrontos.

A Rota 32, em Itapira, foi lançada no dia 1.º com o Pedal da Revolução, reunindo 130 ciclistas, como o pedreiro Marco Antonio Fracarolli, de 54 anos. “Aqui todo mundo ouviu falar nos combates, mas poucos sabem a razão. É importante esse resgate, pois se trata da nossa história”, disse. A secretária Daniele Cristina Honório, de 35 anos, acha que a conexão entre turismo de aventura e história acaba sendo um modo de levar informações aos mais jovens. “Eles não ficam só no ouvir falar, vão ver as marcas nos lugares em que tudo aconteceu.”

Já na largada, no paulista Parque Juca Mulato, os ciclistas passam pelo imponente prédio do Grupo Escolar Dr. Julio de Mesquita, inaugurado em 1900 e que alojava as tropas paulistas ao desembarcarem dos trens da Companhia Mogiana de Estrada de Ferro. “Antes de partirem para o front, os batalhões de voluntários descansavam e recebiam instruções militares dentro da escola”, conta a diretora de Cultura, Wanella Bittencourt. O nome do grupo escolar homenageia o jornalista Julio de Mesquita – a família Mesquita é proprietária do jornal O Estado de S.Paulo e teve papel relevante na Revolução.

Alguns quilômetros de pedaladas à frente, as bikes param na Capelinha do Barão, construída na fazenda do barão Ataliba Nogueira, presidente da Mogiana. O pesquisador Eric Lucian Apolinário, autor do ainda inédito Inverno Escarlate – Vida e Morte nas Trincheiras do Front Leste, que está sendo editado pela Gregory, de São Paulo, conta que soldados paulistas em recuo para Itapira, ao passarem pela capelinha, escreveram seus nomes, cidades e datas nas paredes externas.

O canto estridente de uma seriema quebra a calmaria da serra e encobre o rangido suave de pedais e rodas que levantam a poeira da estradinha, até a próxima parada, no túmulo do soldado, na Fazenda Malheiros. Ali tombaram voluntários que estavam na linha de defesa do flanco direito do exército paulista. Os corpos foram colocados numa sepultura coletiva, até serem trasladados para o mausoléu do Cemitério de Itapira.

Seguindo, na divisa entre os Estados, a ponte sobre o Rio Eleutério tornou-se marco para a resistência paulista durante os contínuos ataques inimigos. Eric lembra que as forças eram desiguais. “As tropas federais eram de duas a três vezes mais numerosas e melhor equipadas. Basta lembrar que São Paulo chegou a ter sete aviões, e eles, 25 ou mais. Por fim, os paulistas destruíram a ponte para atrasar o avanço federal.”

O bairro de Eleutério (SP), a parada seguinte do circuito, era a última estação paulista antes da divisa e serviu de quartel-general para o Batalhão Paes Leme quando os constitucionalistas avançaram em território mineiro. O prédio ainda existe, mas é particular.

Na passagem pelo Monumento do Gravi, primeiro marco do Estado em memória dos mortos na Revolução, inaugurado em janeiro de 1934, Eric lembra que ali houve um massacre de paulistas em retirada.

Na área urbana, a Rota da Revolução ainda passa pela Estação da Mogiana, responsável pelo envio de tropas, alimentos, cigarros e fardas aos soldados nas frentes de batalha, e se encerra na Casa da Cultura, que serviu de cadeia para os federais presos. O serralheiro Valdir Azevedo, de 63 anos, que pedalou quatro horas para completar o percurso, disse que o passeio foi uma lição. “Sabia que tinha morrido muito soldado, até já achei bala enterrada por aí, mas agora sei porque nosso Estado é grande e forte.”

Rota mineira

Em Jacutinga (MG), a Rota da Revolução de 32 já é uma das etapas do Circuito de Cicloturismo Brasileiro. Lançado em julho de 2016, o roteiro está em pacotes oferecidos pela agência Natventure e, além de bicicleta, os 65 km do percurso que se funde com a rota paulista, podem ser percorridos a pé, de jipe ou cavalo. No ponto de partida, na estação ferroviária da antiga Rede Mineira de Viação, de 1886, o turista visita o galpão que alojou as tropas pernambucanas que viajaram para combater os paulistas.

À frente, o sobrado de 1820 da família Viotti, abrigou oficiais getulistas, entre eles o comandante Juarez Távora, no início do conflito. Ainda na área urbana de Jacutinga, o Colégio Júlio Brandão foi requisitado pelas tropas federais e transformado em hospital de campanha, pois ficava ao lado da linha férrea.

Aos 95 anos, dona Lygia Siqueira Corradi tem vivos na memória fatos daquela época e os relata para os visitantes. “Eu tinha 9 anos e me lembro que os trens chegavam sem apitar, devagar, fazendo barulho triste. Os soldados avisavam que era para fechar as janelas e portas das casas, enquanto descarregavam feridos e mortos. A gente chamava de trem da morte.”

A rota segue pelos bairros rurais de São Pedro e Barão Nogueira, palcos de intensos tiroteios. No bairro Sapucaí Velho, à frente da igreja da Imaculada Conceição, um monumento homenageia o oficial Alkindar, morto em combate.

O ciclista Eric Zangelmi percorreu os lados mineiro e paulista e se impressionou com a história. “Já fiz muitos circuitos de bike, mas é impressionante o volume de informações que se têm nessa rota de 32.”

A estação de Sapucaí, construída em 1929, era o fim da linha da Mogiana e o início da ferrovia mineira. Os trens paulistas entravam pelo lado esquerdo, e os mineiros, do lado oposto. Quando a revolução eclodiu, o trem blindado foi a última composição paulista a chegar ao fim da linha. Com o conflito, a divisa entre os dois Estados foi fechada. A professora Monize Soares, de Itapira, se diz deslumbrada com o roteiro. “Sou professora de educação infantil e vou repassar esse conhecimento para as crianças.”

“Guardiões de 32”

Um grupo de voluntários percorre há três anos áreas de matas, pastagens e lavouras do sudoeste de São Paulo em busca de testemunhos das batalhas entre as tropas paulistas e federais, na Revolução de 1932. Com a ajuda de detectores de metais, eles já encontraram centenas de cartuchos, clips de granadas, projéteis e munição de canhões. O material é cedido a museus e casas da cultura desses municípios para que fiquem expostos e sejam vistos pela população.

Atualmente, a pesquisa dos “Guardiões de 32” acontece em Buri (SP), onde foram travados alguns dos combates mais sangrentos da revolução. Ali, o secretário da Cultura, Antonio Emanuel Ehremberg de Oliveira, juntou-se ao grupo. “Estamos usando informações de um ensaio literário escrito pela minha mãe, Maria Apparecida, sobre os locais de batalhas.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.