O youtuber e empresário Felipe Neto, de 32 anos, não é profeta. Mas ele faz lá suas previsões. Preocupado, como todo cidadão do planeta que se preza, ele acha que o que vem pela frente é um período conturbado e que a prioridade número 1 da humanidade hoje é uma vacina contra a Covid-19, para não ficar pior. “Primeiro de tudo: vacina”, afirma. “Precisamos reestabelecer a normalidade mundial. Essa é a coisa mais importante do mundo para esse final de 2020 e início de 2021”. No âmbito político, ele acredita que será um ano de muito conflito ideológico e que o fim do auxílio emergencial tende a mudar drasticamente o cenário e tumultuar a situação. “Acredito que esse será o ano em que a sociedade brasileira abrirá os olhos para os escândalos do governo Jair Bolsonaro”, diz. “Ele não conseguirá manter a população inerte por muito tempo com seus discursos populistas e inflamados, logo as pessoas perceberão onde se meteram”. Além disso, Neto está convencido de que que esse será o ano em que a vida de Flávio Bolsonaro, filho 01 do presidente, mudará drasticamente. “No momento em que essas coisas acontecerem, nossa democracia provavelmente será testada. E estaremos lá, lutando para que ela se mantenha de pé”, afirma em entrevista para a ISTOÉ.

Você acaba de criar uma organização sem fins lucrativos chamada Instituto Vero. O que você pretende?
Nada além de ajudar a ampliar a educação digital no Brasil e lutar contra os crimes de desinformação e articulação do ódio. É uma forma a mais de devolver pra sociedade aquilo que ela me permitiu construir de patrimônio. Vamos investir pesado para levar a educação básica a respeito do ambiente digital para o máximo possível de brasileiros.

O que falta fazer neste momento com a educação digital no Brasil? Estamos perdendo oportunidades?
É extremamente necessário implementar medidas urgentes de educação digital para a população em geral. Nós demos a mais poderosa arma da história da humanidade na mão da população e não entregamos qualquer manual de instruções. Em 2017, uma pesquisa da Quartz provou que 55% da população brasileira achava que internet era o Facebook. Isso foi na véspera da eleição presidencial de 2018. Na Nigéria era 65%, Índia, 58%. Até mesmo nos EUA, 5% da população achava que a internet era o Facebook em 2017. É preciso agir para levar isso para as escolas urgentemente.

O que você chama de uso consciente da internet? Em que medida isso define nosso futuro?
Nossa população se tornou refém dos algoritmos das plataformas. Ao consumirem um único vídeo de teoria da conspiração, mergulham em um submundo de mentiras, manipulação e lavagem cerebral, muitas vezes criados por articuladores do ódio que fazem intencionalmente para criar seitas. A educação digital evita justamente isso: que as pessoas caiam em teorias da conspiração e parem de ser alvos fáceis para esses criminosos.

E a desinformação? Você é vítima frequente de grupos propagadores de ódio e de núcleos bolsonaristas. Qual é a força motriz dessa cultura? Acha que isso é mundial?
Sem dúvida é um fenômeno mundial. Articuladores dessa extrema-direita doentia viram o potencial monstruoso de trazer as pessoas para o seu lado promovendo teorias da conspiração absurdas. A desinformação é uma das formas de propagar essas teorias. É preciso educar a população para torná-la menos suscetível a esses convencimentos e também é importante investir pesado no sistema de investigação da Polícia Federal para se infiltrar e chegar nos mandantes dessas quadrilhas.

Como se pode por fim a essa cultura do ódio? Vê perspectivas diante de um governo como o atual?
Com esse governo, pode esquecer qualquer ação federal no sentido de coibir esses esquemas. A ministra de Direitos Humanos literalmente comemorou nas redes sociais quando um delegado me indiciou por um crime jamais cometido, sem qualquer investigação ou prova. Repito: a ministra de DIREITOS HUMANOS. A situação é caótica. Contudo, os governos dos estados e municípios podem fazer muita coisa, implementando medidas locais de combate e incentivo à educação digital. Claro que não é possível acabar totalmente com o ódio, como não é possível acabar totalmente com a violência urbana, mas é possível combater e, principalmente, criar medidas que impeçam alguém de chegar até o cometimento de um crime, agindo na base, na raiz do problema.

Você acha que a sociedade tem se saído bem em estabelecer limites para o presidente Bolsonaro?
A sociedade é refém de seu governo e seu marketing agressivo e mentiroso. Não podemos culpar o povo, precisamos enfrentar os poderosos para quebrar as narrativas escandalosas promovidas pelos órgãos federais. Bolsonaro está em seu recorde de popularidade, mas isso não acontece porque ele fez coisas positivas para a população, isso acontece por uma mistura de populismo barato com vitimização e auxílio emergencial, que nem sequer foi uma medida do Bolsonaro. Basta lembrar que ele e o Paulo Guedes queriam que o auxílio fosse de R$ 200.

Qual foi sua sensação e o que você acha de ter saído na lista de detratores do governo Bolsonaro?
A existência dessa lista é uma vergonha para a democracia brasileira. Eu estar nela não surpreende, visto tudo que sofro de ataques no dia a dia, incluindo da família do presidente. Contudo, um governo não pode criar listas da sociedade civil e “mapear inimigos”. Opositores não são inimigos, são apenas opositores. Quando você pensa em silenciar a oposição, seja em qualquer nível, você está dando um recado claro sobre o que pensa da democracia.

Você declarou que perdeu dois contratos que somam R$ 7 milhões por causa de sua posição crítica ao governo. O que devemos pensar sobre isso?
Apenas que muitos empresários brasileiros são corporativistas e covardes. Preferem boicotar quem se posiciona e trabalhar apenas com quem é café com leite. Ainda bem que há muitos outros empresários corajosos, que enxergam valor em quem luta pela dignidade humana contra um governo desumano.

Como você vê o trabalho do Sleeping Giants Brasil?
Fundamental. O Sleeping Giants americano destruiu os ganhos financeiros do maior portal de desinformação criminosa do mundo, o Breitbart. No Brasil, a dupla conseguiu fazer o mesmo com uma série de sites e perfis que agem nessa mesma direção: mentindo, desinformando e criando teorias da conspiração para fazer lavagem cerebral e criar exércitos digitais.

Por que você acha que incomoda tanto o governo?
Luto por valores básicos de dignidade humana, pela ciência, pelo que dizem os especialistas. Eu luto contra corruptos, contra esquemas, contra crimes. Isso tudo incomoda o atual governo. Acho que fica bem claro o porquê.

Como você vê sua evolução pessoal desde aquela ação no Bienal do Rio de Janeiro, no ano passado?
Acho que foi uma ação importante para dar um recado claro ao prefeito da época, que foi o pior prefeito da história do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella. O recado era: nós não vamos aceitar imposição de valores religiosos morais em um estado laico para censurar obras artísticas. Depois daquilo, ele nunca mais tentou algo parecido.

Como você se sentiu sendo escolhido como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo pela revista Time?
Sou apenas um criador de vídeos de entretenimento que dá sua opinião pessoal no Twitter sobre o que acontece ao meu redor. Não tenho nem nunca tive qualquer pretensão política ou interesse pessoal nesse sentido. Acho que o único motivo de ter ido parar nessa lista foi porque a maioria dos outros artistas optou pelo silêncio, o que acabou me deixando numa situação isolada e de destaque, algo que eu nunca quis. Isso fez com que eu virasse o maior alvo do bolsonarismo e com que meu nome ecoasse internacionalmente. Eu apenas quero continuar lutando pelo mínimo de dignidade humana. As campanhas desumanas que foram feitas contra mim acabaram me fortalecendo.

E sua contribuição atual para a sociedade. Você acha que está usando bem suas ferramentas?
Sem dúvida que posso e vou melhorar. A criação do instituto Vero é um passo importante nesse sentido. Contudo, a minha contribuição maior pra sociedade é através do entretenimento, esse é o meu trabalho e paixão.

A partir de sua tribuna digital, como você acredita que pode contribuir para combater e neutralizar o racismo estrutural?
Destacando sempre que tenho oportunidade, não tentando roubar o protagonismo da luta negra e cedendo espaço nas minhas redes para que comunicadores negros possam atingir novos públicos. Por isso criamos o quadro “Humor Negro”, em que lançamos dezenas de vídeos de criadores negros e geramos milhões de visualizações, além de ter contratado o Yuri Marçal para produzir conteúdo semanal para o meu Instagram.

Que tipo de influência a pandemia teve na sua vida?
Acho que o maior ensinamento que a pandemia nos trouxe foi sobre o quanto temos responsabilidade sobre a vida alheia. Somos um coletivo e não apenas indivíduos isolados. Acredito que esse foi o fato que mais dei valor durante esse ano. De pouco adianta apenas algumas pessoas se vacinarem, usarem máscara ou fazerem distanciamento. É preciso que a conscientização seja absoluta, que a gente entenda de uma vez por todas que o coletivo é mais importante que o individual.

E o dinheiro? Qual é a importância dele?
Como alguém que veio da pobreza, dou muito valor ao que conquistei. Contudo, trato o dinheiro como um meio, não um fim. O dinheiro proporciona conforto e tranquilidade, mas pode te consumir inteiramente se você passar a viver em função dele. O que o dinheiro mais me proporciona é a oportunidade de ajudar outras pessoas. Hoje, esse é o meu foco.

Qual é sua expectativa para o ano que se inicia?
Primeiro de tudo: vacina. Precisamos reestabelecer a normalidade mundial. Essa é a coisa mais importante do mundo para esse final de 2020 e início de 2021. No âmbito político, acredito que será um ano de muito conflito ideológico. O fim do auxílio emergencial tende a mudar drasticamente o cenário político no Brasil. Acredito que esse será o ano em que a sociedade brasileira realmente abrirá os olhos para os escândalos do governo Jair Bolsonaro. Ele não conseguirá manter a população inerte por muito tempo com seus discursos populistas e inflamados, logo as pessoas perceberão no que foi que se meteram. Além disso, tudo indica que esse será o ano em que a vida de Flávio Bolsonaro mudará drasticamente. E, no momento em que essas coisas acontecerem, nossa democracia provavelmente será testada. Nós estaremos lá, lutando para que ela se mantenha de pé.